Bruno Ribeiro
Sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o pagamento de penduricalhos para servidores públicos de elite mais do que quintuplicou em São Paulo, apesar do discurso de austeridade fiscal do governador.
No primeiro trimestre, os procuradores do Estado receberam R$ 16 milhões em pagamentos complementares a salários regulares, crescimento de 443% em relação aos R$ 2,9 milhões pagos no primeiro trimestre de 2024.
A soma dos rendimentos líquidos —salário, penduricalhos e descontos legais— subiu cerca de 15% na variação entre os dois períodos, de R$ 75,9 milhões (valor corrigido pela inflação) para R$ 87,2 milhões.
A procuradora-geral do Estado, Inês dos Santos Coimbra, por exemplo, teve rendimento líquido médio de R$ 121,5 mil no trimestre, 34% a mais do que os R$ 90,7 mil recebidos de janeiro a março de 2024. O funcionalismo estadual geral não teve reajuste.
A disparada de gastos se deu após a base de Tarcísio na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovar, em maio do ano passado, uma lei complementar proposta pelo governador que criou a licença compensatória por sobrecarga de trabalho.
O benefício concede aos procuradores um dia de folga a cada três dias trabalhados, limitado a sete dias por mês, “em virtude do desempenho das atribuições do cargo em condições de excesso de serviço”.
Mas o texto não detalha o que caracteriza o trabalho excessivo —a lei atribui a função à própria PGE. Se o servidor não tira a folga, ele pode receber o equivalente em dinheiro.
O partido Novo ingressou com uma ação contra a norma no STF (Supremo Tribunal Federal). Entre os pontos levantados no processo, está a ausência de demonstrativos sobre os impactos financeiros da medida.
“Essa demonstração é essencial para evidenciar que o pagamento da conversão em pecúnia indenizatória dos dias de compensação gera o custo anual de R$ 101,9 milhões”, calculou o partido em sua petição.
A previsão de despesas com a pessoal na PGE neste ano é de R$ 718 milhões, 8% a mais do que o gasto em 2024. O processo está em trâmite, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
Penduricalhos similares estão em expansão na elite do funcionalismo do país, especialmente na magistratura. Em fevereiro, os promotores públicos tiveram direito igual reconhecido, de forma retroativa, o que gerou um passivo que pode chegar a mais de R$ 1 milhão por promotor. Com respaldo do STF, o pagamento é entendido como indenização e fica fora do cálculo do teto salarial.
Os procuradores do Estado, categoria com cerca de 760 pessoas na ativa, são advogados que representam o governo. É função deles, por exemplo, defender políticas públicas de Tarcísio questionadas na Justiça, como a criação de escolas cívico-militares e a anistia à multa por falta de máscaras na pandemia.
Embora sejam funcionários do Executivo, em São Paulo há dois pareceres emitidos pela própria categoria em 2023, já na gestão Tarcísio, que garantem a eles o mesmo tratamento dado às carreiras do Judiciário. Os pareceres seguem decisão de 2021 do STF, válida para todo o país, que autoriza a equiparação.
Desse modo, eles já tinham direito ao teto salarial dos ministros do Supremo (R$ 46,4 mil), em vez do teto paulista, que é o salário do governador (R$ 34,6 mil). Em março, 575 procuradores tiveram salário bruto superior ao dos ministros do STF, embora a remuneração líquida média paga à categoria tenha sido de cerca de R$ 40,2 mil.
Marco Antonio Carvalho Teixeira, do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV (Fundação Getulio Vargas), destaca que o ponto central da legislação implementada por Tarcísio é priorizar uma categoria que já tem uma remuneração acima das demais carreiras.
“A decisão acaba reforçando um caráter de desigualdade no tratamento das categorias, ainda mais em uma categoria que é fundamental para a governabilidade”, disse à Folha.
“Por mais que o impacto na folha salarial não seja grande, é um recurso que pode faltar quando o governo alega que não tem dinheiro para atender outras políticas. Estas questões precisam ser mais transparentes”, afirma.
A PGE comentou o tema por meio de nota, dizendo que “a licença compensatória, instituída por lei, é concedida ao desempenho das atribuições do cargo em situações de excesso de serviço”.
A nota segue: “Se trata de um requisito de natureza variável, apurado mensalmente com base em indicadores que consideram, entre outros fatores, a projeção de trabalho no local de exercício, a complexidade das atividades, as peculiaridades da área de atuação, a acumulação de atribuições e de acervo, bem como a participação em ações públicas extraordinárias.”
A turbinada nos salários dos membros da PGE contrasta com o discurso de austeridade fiscal de Tarcísio. O governador lançou no ano passado um programa chamado “São Paulo na Direção Certa”, que tem entre os carros-chefe uma reforma administrativa.
“O São Paulo na Direção Certa tinha algumas premissas, e a primeira delas é reduzir o custeio”, afirmou o governador na terça-feira passada (29), em um evento para investidores do Banco Safra. “A gente cortou 20% dos cargos, continua extinguindo autarquias e empresas que não fazem sentido, que têm atribuições em duplicidade, que dão prejuízo ou não entregam produto, e nossa ideia é enxugar o Estado.”
O Palácio dos Bandeirantes afirmou, em nota, que os cortes em autarquias como o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) geraram economia de R$ 13 milhões e que a digitalização de processos públicos deve economizar R$ 2,7 bilhões.
Na última quarta-feira (30), na véspera do feriado prolongado, Tarcísio enviou um projeto de lei que sugere aumento de 5% para as categorias do funcionalismo público estadual. O reajuste, no entanto, é três vezes menor do que o avanço nos contracheques da cúpula da advocacia pública.