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14/05/2025

Ducha higiênica na ONU – 10/05/2025 – Antonio Prata

Depois de uma semana na Disney, poderia falar sobre montanhas russas a 90 km por hora, no escuro, atravessando hologramas de galáxias, sistemas solares e nebulosas mais reais do que as fotos mais reais do James Webb. Poderia falar sobre hambúrgueres de wagyu e bacon e picles e batatas fritas de explodir papilas gustativas e coronárias.

Poderia falar, sete dias após essa imersão no coração deste Império deslumbrante e decadente, sobre os horrores de uma sociedade dodói (e qual não está?), da obesidade epidêmica, da infantilização completa, de uma multidão de pessoas que a gente vê e pensa que “Bebê Rena” e “mass shootings” deveriam acontecer bem mais amiúde. Mas gostaria de falar sobre outro assunto, mais íntimo, mais profundo e universal, dos Estados Unidos da América: a privada. Ou melhor, a descarga. Tem muito aí.

Os poucos segundos entre acionar a válvula e ouvir o ronco do vaso sanitário —como o de um F-16 decolando de um porta-aviões— valem pela leitura completa de “Democracia na América”, de Tocqueville, “O Processo Civilizador”, do Norbert Elias, “Genealogia da Moral”, de Friedrich Nietzsche, o poema “O Uivo”, de Allen Ginsberg, a música “Born in the USA”, de Bruce Springsteen, fora uma dúzia de obras sobre hidráulica que, admito, envergonhado, desconheço completamente.

Pra quem nunca deu uma descarga entre o México e o Canadá, tentarei passar uma ideia aproximada. Pra começar, a privada é bojuda como um halterofilista em 1982. Se nossos vasos sanitários são magros como Bruce Lee, os deles são um He-Man. Geralmente, a parte que no Brasil fica oculta embaixo da terra, onde a cerâmica faz um S, mostrando a brilhante técnica que mantém os dejetos embaixo d´água e impede o odor do esgoto de voltar, fica exposta como um braço musculoso numa camiseta regata.

É uma privada fazendo o muque. E é aí que entram Tocqueville, Elias, Nietzsche etc. A privada americana é um monumento à nossa civilização, se a entendermos como uma caminhada contra a natureza. Contra o que nos lembra que do pó, ou melhor, do barro, viemos e pra lá voltaremos. Você dá a descarga e 35 mil anos de vida na selva vão embora. Xô, pó! Xô, lama!

É nesse momento, porém, que vem a contradição. Como pode esse povo ter se dedicado com tanto afinco à descarga e se esquecido por completo do bidê, da ducha higiênica?! De que adianta mandar embora na velocidade do som os frutos de nossa digestão se teremos que lidar com seus restos, manualmente? De que adianta privadas tão eficientes se você precisa de papel higiênico? Não existe bidê nos EUA. Não existe ducha higiênica, curioso.

Pega os japoneses. Têm privadas com mil tipos de duchas. Na frente, atrás, aberta, fechada, quente, fria. Sim. Isso é um sinal de uma sociedade biruta? Talvez. De vez em quando se matam com a mesma eficiência com que se limpam, com haraquiri. Mas morrem limpinhos.

Já acharam que a contribuição brasileira ao mundo seria na música. Seria no sexo. Na felicidade, sei lá. Eu já ficaria feliz se divulgássemos a ducha higiênica. O chuveirinho. Ou ao menos o bidê. Ia melhorar bastante a vida na Terra. Nem que seja nesse finalzinho.


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Fonte: Folha UOL

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