Reinaldo José Lopes
Enquanto grande parte da atenção ao intenso papado de Francisco estava voltada para suas declarações sobre homossexualidade ou ateísmo, para sua condenação dos conflitos armados ou seu ativismo contra a crise climática, um tema muito mais específico, de natureza quase técnica, provocava polêmicas idênticas ou até maiores dentro da hierarquia católica.
O nome parece quase um trava-língua: o Sínodo sobre Sinodalidade, cujos processos, segundo determinação do papa, deveriam se estender até 2028.
Já em seu primeiro discurso, logo depois de ser escolhido como o novo pontífice pelo Colégio Cardinalício, Leão 14 fez questão de defender uma Igreja sinodal que seguisse o programa apontado por Francisco —mais um motivo para que a vertente tradicionalista do catolicismo torcesse o nariz para ele.
A realização de sínodos, a rigor, é quase tão antiga quanto o próprio cristianismo. O termo, com o significado de “caminho conjunto” ou “caminhar juntos” em grego, foi empregado durante muito tempo para designar reuniões locais ou regionais de bispos, com o objetivo de discutir questões doutrinais ou pastorais importantes.
Quando esse tipo de encontro abrangia, ao menos em tese, todos os bispos, o termo mais empregado era concílio. É o caso dos célebres concílio de Niceia (no ano 325), responsável por definir dogmas sobre a natureza de Jesus Cristo, ou concílio Vaticano 2º (1962-1965), que promoveu a abertura da Igreja Católica a aspectos importantes do mundo moderno, como o diálogo interreligioso.
A predominância dos concílios e da própria atuação do papado fez com que a tradição sinodal ficasse relativamente submersa no catolicismo durante séculos. Foram justamente as reformas do concílio Vaticano 2º, porém, as responsáveis por recriar parcialmente essa prática ao estabelecer o chamado Sínodo dos Bispos. As reuniões sinodais periódicas passaram a funcionar como um órgão de debate e consultivo, com o objetivo de auxiliar o papa a enfrentar questões prementes da Igreja.
Ao longo das décadas, porém, a crítica recorrente ao Sínodo dos Bispos é que ele se tornou um simples carimbador de decisões já totalmente formatadas pelo papa e seus colaboradores mais próximos na Cúria (a burocracia da Santa Sé). Esse processo teria se consolidado durante o pontificado do carismático polonês João Paulo 2º (que regeu a Igreja de 1978 a 2005).
Ao se tornar papa em 2013, o argentino Jorge Bergoglio deu início a medidas que revitalizaram o aspecto parlamentar do Sínodo dos Bispos (ou, para seus críticos, teriam tornado o órgão algo excessivamente instável). Nas duas sessões do Sínodo da Família, no começo de seu pontificado, por exemplo, Francisco destacou a virtude da parrhessía (termo grego que poderia ser modernizado como algo próximo de “liberdade de expressão”), dizendo que era necessária uma discussão mais ampla e aberta de todos os temas relevantes para a Igreja atual.
O Sínodo da Família também iniciou uma prática intensificada com o Sínodo sobre Sinodalidade: a consulta ampla a leigos católicos de paróquias de todo o mundo, levantando suas opiniões acerca de como a Igreja deveria incluir a participação deles. Além disso, as questões da consulta indagavam sobre como promover a atuação de grupos como as mulheres, os jovens, as minorias e os marginalizados nesse processo decisório.
A fase de discussão do Sínodo sobre Sinodalidade, que se encerrou em outubro de 2024, teve como membros votantes do documento final tanto leigos quanto mulheres (nesse último caso, pela primeira vez na história católica), além da presença de bispos e sacerdotes. E o papa adotou esse documento final como parte de seu magistério oficial, em vez de produzir seu próprio resumo e interpretação dos resultados, como tinha sido a praxe até então.
Embora o documento de 2024 não traga nada de revolucionário —o mais perto disso é a continuidade das pesquisas e debates sobre a ordenação de mulheres como diaconisas, o degrau hierárquico logo abaixo do de sacerdote—, críticos tradicionalistas de Francisco atacaram o processo sinodal em si, em especial a abertura à participação de leigos, como elementos de confusão na Igreja.
“Se for legitimado, pode acabar alterando tudo, a doutrina da fé e a disciplina da vida moral”, escreveu o cardeal Joseph Zen Ze-kiun, bispo aposentado de Hong Kong.