Por: Felipe Frazão
BRASÍLIA – Embora favoráveis aos esforços de interlocução liderados pelo Brasil, em parceria com México e Colômbia, países aliados demonstram nos bastidores receio e enxergam ambiguidades e contradições na proposta de diálogo em curso, especialmente sobre como proceder para checar o verdadeiro resultado da eleição presidencial na Venezuela.
Nos bastidores da diplomacia, franceses e americanos, por exemplo, duas das potências nucleares com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, fazem ressalvas e listam empecilhos para a verificação ocorrer dentro da Venezuela, em formato a ser discutido pelas forças políticas locais – chavismo e oposição.
Esse seria o passo seguinte a partir da eventual publicação das atas eleitorais, pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), contendo os resultados por zona eleitoral, de forma completa, detalhada e transparente. É o que defendem atualmente três dos maiores países da região, com argumento proposto em dois comunicados conjuntos, direcionados ao regime chavista. Tanto o Brasil, quanto a Colômbia e o México são governados por aliados históricos do chavismo.
Ceticismo
Nos últimos dias, a reportagem do Estadão conversou com diplomatas brasileiros e estrangeiros, inclusive de potências ocidentais, que acompanham as tratativas. As chancelarias a que pertencem mantêm diálogo constante com o Itamaraty. Eles falaram sob condição de anonimato.
As diplomacias dos EUA e da União Europeia já declararam que as evidências até agora indicam uma vitória de González e a derrota do regime. Eles baseiam essa opinião em avaliações sobre as 24.576 atas de mesas de votação (82% do total) colhidas e publicadas pela oposição. Diplomatas reputam as atas como confiáveis. Dizem que elas foram exaustivamente analisadas por instituições independentes e que os números, cotejados com contagens rápidas e pesquisas de boca de urna, fazem sentido.
Há declarações de apoio e apreço pela busca de interlocução por parte do Brasil – uma política de “manter a porta aberta” – para obter mediação entre regime e opositores. É uma postura pragmática e vista como positiva, o caminho correto a se seguir no momento. Mas a maioria defende que seria necessária uma verificação internacional do resultado, a partir da publicação das atas.
Um dos argumentos citados por esses diplomatas é que, embora existam especialistas venezuelanos e entidades tecnicamente capacitados a realizar uma auditoria e verificar o resultado, primeiro Maduro e oposição precisariam concordar que essa pessoa ou organismo é confiável.
Um diplomata com experiência no terreno em Caracas afirmou que “dificilmente” se encontraria tal pessoa dentro da Venezuela. Lembrou ainda que, quem denuncia algo contrário aos interesses do regime, atualmente acaba preso ou torturado. Não haveria segurança para quem ouse declarar, dentro da Venezuela, um resultado que desagrade ao regime. Por isso a necessidade de ser alguém fora do país.
Entre as opções lembradas por diplomatas estão o painel de especialistas eleitorais das Nações Unidas, a missão de observação eleitoral da União Europeia, e até mesmo as autoridades eleitorais da Colômbia e do Brasil – o Tribunal Superior Eleitoral.
Cético, um deles lembrou que o regime de Maduro deve aceitar somente a “certificação” de países alinhados, que tendem a anunciar os resultados que eles querem e até já reconheceram a reeleição – “talvez os cubanos possam mandar sua comissão eleitoral, ou talvez Putin, os iranianos; a comissão eleitoral norte-coreana deve ser excepcional…”, ironizou.
Intermediação contestada
Brasil, México e Colômbia pedem que o regime do ditador Nicolás Maduro permita uma “verificação imparcial dos resultados” e destacam que “as soluções da situação atual devem surgir da Venezuela”.
Lula, Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador tentam realizar uma chamada conjunta para discutir o assunto de forma virtual e depois fazer um telefonema, também em conjunto, para Maduro e para o candidato opositor.
Os governos dos três países, deixaram de reconhecer imediatamente a anunciada reeleição do ditador, por 52% contra 43% do desafiante Edmundo González. Os números foram informados pelo CNE sem publicar evidências.
A oposição denunciou uma fraude, declarou-se vitoriosa com 67% em favor de González, contra 30% de Maduro, tendo difundido atas eleitorais coletadas por seus militantes. Desde então, há um impasse no país e na comunidade internacional.
Nuances na ‘tríade’
Há uma cobrança ampla pela divulgação das atas. Mas, mesmo entre a chamada ‘tríade’, existem nuances, e a Colômbia destoa. O presidente colombiano Gustavo Petro já defendeu que seja realizado um escrutínio com contagem de votos não somente pelas facções políticas venezuelanas, mas sob “supervisão internacional profissional”.
Brasil e México resistem. Preferem defender apenas a necessidade de “imparcialidade” nessa verificação, sem estabelecer uma fórmula a priori de como deve ser realizada. Estaria, portanto, aberto aos dois lados decidir como, onde e quem faria a checagem.
Esse foi o argumento do Brasil para se abster e contribuir para derrubar uma resolução na Organização dos Estados Americanos (OEA), que inicialmente propunha a verificação na presença de observadores internacionais e no fim falava em “organizações de observação independentes”.
Quando disse que não havia nada de “grave” ou “anormal” na disputa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs que a oposição deveria dirimir a questão recorrendo à Justiça venezuelana. O problema, reconhecem os diplomatas, é que a cúpula da Justiça é alinhada ao chavismo, o que deixaria o desfecho ainda sob influência direta de Maduro.
PT pró-Maduro
Setores do PT, partido de Lula, dizem que o presidente deveria ter reconhecido a reeleição de Maduro, como fez a legenda, e criticam a postura “ambígua” do governo. O ex-presidente José Genoino disse que não se deve abrir um precedente de governos estrangeiros exigirem dados e fiscalizarem eleições em outros países. Eles advogam que a postura do governo fere os princípios constitucionais de “não-intervenção” e do respeito à “autodeterminação dos povos”.
O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador foi o mais vocal ao rechaçar a pressão sobre o regime via OEA, acusando-a de não ter “credibilidade” e acusando o órgão sediado em Washington de intervencionismo em assunto doméstico da Venezuela.
Destacado por Lula para cuidar do assunto, o ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial da Presidência, chegou a dizer em entrevistas a TVs que a OEA estava “desmoralizada” e que o assunto era uma questão essencialmente latino-americana e não deveria estar sujeita a interferências extrarregionais, incluindo o hemisfério – um recado aos EUA.
Ao mesmo tempo, Amorim se vale de declarações de incentivo à interlocução brasileira, vindas de representantes do governo dos EUA, e diz que a União Europeia poderia ter tido um papel crucial na observação e, talvez, levado a um desfecho diferente, se tivesse relaxado sanções ao regime e com isso conseguido enviar sua missão de observação ao país.
Diplomatas europeus, no entanto, duvidam que a simples presença de uma missão de observação em nome do bloco mudasse algo no resultado. Mesmo integrantes do Itamaraty reconhecem que não havia igualdade de condições na disputa e que não há agora nas negociações pós-votação e no controle das “armas”.
Negociações diplomáticas
Desde a semana passada, o ministro Mauro Vieira intensificou contatos com seus homólogos. Ele tem conversado com frequência diária com os chanceleres de México (Alicia Bárcena) e Colômbia (Luis Murillo), e trocou informações com Espanha (José Manuel Albares), Portugal (Paulo Rangel), Reino Unido (David Lammy) e França (Stéphane Séjourné).
Com todos os europeus, o ministro insistiu na necessidade de divulgação dos resultados pelas atas. “A verificação das atas é fundamental”, afirmou Albares. Nesta segunda-feira, dia 12, Vieira conversou sobre o assunto com o arcebispo venezuelano Edgar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado do Vaticano.
Dos países latinos, falou ainda em Santiago com o chileno Alberto Klaveren e por telefone com o dominicano Roberto Álvarez – Vieira vai à posse presidencial em Santo Domingo, com uma parada em Bogotá para mais conversas com o chanceler colombiano Murillo.
Lula por sua vez já conversou sobre o assunto por telefone com Joe Biden (EUA) e com Emmanuel Macron (França). Também discutiu o caso em privado com Gabriel Boric (Chile). Todos endossaram as tratativas conduzidas pelo Brasil.
O presidente Lula tenta voltar a conversar com López Obrador e Petro por telefone nesta semana – e os três juntos devem fazer uma chamada com Maduro e outra com o opositor González.
Diplomatas estrangeiros com vivência em Caracas afirmam que o CNE tem condições técnicas e que o sistema de votação e contagem possui confiabilidade e robustez, podendo emitir resultados em horas ou dias e divulgar os documentos mesa a mesa, o que costumava ocorrer no passado em dias. Há cada vez mais ceticismo de que o regime venha a publicar os resultados certificados.
Desta vez, houve apenas duas declarações oficiais do suposto resultado, sem lastro em documentos comprobatórios. Há quem especule que o PSUV – partido de Maduro – e o regime tentaram falsificar atas para fazê-las coincidir com o que os números que o CNE anunciou, mas falharam por causa das ferramentas de segurança, como códigos QR, assinaturas e outros marcadores impressos.
Observadores eleitorais que estiveram em Caracas, como o cientista político brasileiro Ian Batista, do Centro Carter, afirmam que esses documentos e os equipamentos de votação, as urnas eletrônicas, estão custodiados pelo por militares, por isso, podem vir a público.
Eles desconfiam da alegação oficialista de que o atraso na publicação dos dados se deve a um ataque hacker vindo da Macedônia do Norte – porque a transmissão de dados ocorre por meio de linhas telefônicas criptografadas – e o regime também não mostrou nenhuma evidência dessa ameaça cibernética.