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28/04/2025

Vargas Llosa à direita provocou ressalvas, não indiferença – 14/04/2025 – Ilustrada

Fernanda Lobo

Como nota pela morte de Mario Vargas Llosa neste domingo, a antropóloga indígena quéchua Solischa Secca Noa publicou em suas redes a seguinte mensagem.

“Despedimo-nos de Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura, cuja obra levou o nome do Peru ao mundo. Como mulher indígena, reconheço seu legado literário, mesmo que suas posturas políticas muitas vezes tenham estado longe de nossas lutas. […] Que descanse em paz.”

A nota da antropóloga, que também é ativista e tradutora de línguas originárias, mostra que, mesmo pelas lentes de atores no lado oposto ao de Vargas Llosa no espectro político, o escritor foi alvo de ressalvas, mas não de indiferença.

Vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 2010, o peruano de Arequipa sempre teve o que dizer. Ainda jovem, ao encarar as injustiças da mambembe modernização latino-americana, Vargas Llosa exerceu olhar crítico, denunciando atrasos e perversidades inerentes ao processo de colonização.

A tendência à visão panorâmica também aparece em sua literatura. São livros ambiciosos sobre conjunturas complexas, dilatadas e que tratam de grupos imensos, verificando as afluências de grandes movimentações políticas e sociais.

É o caso de “Conversa no Catedral”, que traça um painel da sociedade peruana nos anos da ditadura do general Manuel Odría, e de “A Festa do Bode”, que abrange a ditadura de Rafael Trujillo na República Dominicana.

Vargas Llosa foi também um dos autores mais traduzidos da língua espanhola, com obras publicadas em mais de 30 idiomas. Além disso, sua atuação no cenário internacional incluiu conferências em universidades como Harvard, Oxford e Sorbonne, o que o consolidou como uma figura intelectual global. Foi membro da Academia Real Espanhola desde 1994 e recebeu condecorações como o Prêmio Cervantes e a Legião de Honra da França.

Com essa atitude totalizante, adepto das grandes narrativas muito próprias do século 20, assumiu uma persona de homem público como ensaísta, cronista e colunista de jornais. Mas como o escritor se tornou o mais proeminente vendedor de liberalismo autoritário da América Latina?

Embora seu antigo amor por Cuba seja bem conhecido, sua relação com o mundo cultural russo foi mais conturbada. Depois de uma série de acontecimentos, como a ocupação da Tchecoslováquia pela União Soviética e episódios de censura envolvendo seus próprios livros, a prisão do escritor cubano Herberto Padilla em 1971 pelo regime de Fidel Castro foi decisiva para a decisão do peruano de romper com Cuba, com a União Soviética e com os valores socialistas.

A desilusão com Cuba, que havia explicitado seu alinhamento com os abusos soviéticos, levou o escritor a assumir uma posição cada vez mais à direita. A princípio, defendeu valores liberais para se contrapor ao autoritarismo stalinista, chegando, em 1987, a participar de um movimento contra a estatização da economia peruana, em voga no governo do presidente Alan García Pérez.

Um pouco mais tarde, em 1990, concorreu às eleições presidenciais como candidato conservador, até deslizar suavemente para a defesa de figuras da extrema direita latino-americana mais afeitas a autoritarismos, como Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, no Peru; José Antonio Kast, no Chile, e Jair Bolsonaro, no Brasil.

Crescendo-lhe a vocação política, no entanto, arrefeceu a qualidade literária, já que seus melhores títulos são anteriores aos anos 1990 —com exceção de “A Festa do Bode”, publicado em 2000.

De qualquer modo, as mudanças nas tendências narrativas, hoje muito mais ancoradas em uma perspectiva menor e com inclinações ao intimismo, já o haviam destituído da vivacidade artística há tempos, havendo sobrado ao antigo escritor brilhante a autoprojeção pela via das polêmicas, pela via de uma pretensa rebeldia política contra seus antigos pares.

Ainda que suas posições políticas tenham suscitado intensos debates, sua contribuição à literatura e ao pensamento crítico latino-americano permanece como um marco incontornável do século 20, como fica claro na nota feita por uma liderança indígena à revelia de seus muitos posicionamentos duvidosos.

Sua morte representa o encerramento de um ciclo em que a literatura se entrelaçava de forma superlativa com grandes dilemas sociais e políticos.



Fonte: Folha UOL

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