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29/04/2025

Olhai os lírios de Pedro de Lara – 15/04/2025 – Bia Braune

Seria tão mais simpático dizer, enquanto estudiosa do assunto, que atinei sozinha para a efeméride…

Sejamos sinceros, porém. A telespectadora que também me habita só caiu em si quando aquele boneco de borracha simplesmente despencou do alto da estante e atingiu em cheio a minha cabeça.

Por sorte, não doeu —apesar de ter feito todo o sentido. De que outro modo a figura mais mal-humorada da TV brasileira se faria notar no ano do seu centenário? Olhai, portanto, os lírios de Pedro de Lara: radialista, intérprete de sonhos, filósofo publicado em livrinho de bolso, jurado de programas de auditório e eterno Salci Fufu do Bozo. Aquele, do SBT. Não o das palhaçadas da República.

Trabalhar há tanto tempo em televisão tem disso. A cada jubileu da chamada “máquina de fazer doido”, revisito itens não apenas do meu acervo pessoal mas da memória afetiva da minha geração. Ou seja: bastou um baculejo comemorativo para que o bonequinho comprado num leilão online pedisse passagem, trazendo consigo a lembrança de um ser tão desgrenhado quanto anárquico. No jargão dos “trend setters” de hoje, “disruptivo”.

“Nasci feio, cresci feio, venci feio”, afirmava o pernambucano Pedro Ferreira dos Santos, eleito um dos homens menos sexies do século –aqui mesmo, na Folha. Abraçado ao seu rancor cenográfico, bem como a um viçoso e conservador buquê de lírios brancos, grunhiu notas baixas a calouros do Chacrinha, do Silvio Santos e do Ratinho. Sendo gloriosamente vaiado por mais de 40 anos.

Cá entre nós: da finada bolete Zulu, que não sorria durante o requebrado de suas lantejoulas, ao enfezado Simon Cowell, que abrilhanta com chatice realities musicais gringos, que atire o primeiro aviãozinho de dinheiro quem nunca amou um ranzinza profissional. Quiçá reflexo midiático dos professores durões de matemática, das madames rígidas do balé e das madrinhas de crisma que só liberavam sobremesa mediante boletim azul.

Pouco antes de sua morte, em 2007, fui talvez a última pessoa a entrevistar Pedro de Lara. Um dos momentos mais caóticos e memoráveis da minha carreira. Por entre chiados da linha telefônica e delírios de uma mente próxima do fim, conversamos por entre brados (dele) e gargalhadas (minhas).

Embevecida, sim, mas sobretudo desesperada pelo deadline do texto, a ser entregue sem pé nem cabeça, fui brindada com a frase mais lapidar vinda de um baluarte do azedume. “Ô Biaaaa, obrigado pelo carinho, viu? Eu te aaaamo!”. Se acreditei? Claro que sim: antipatia é quase amor.


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Fonte: Folha UOL

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