Por: Thales de Menezes
Dizem por aí que Paul McCartney entra no Allianz Parque cumprimentando os funcionários, chamando todos pelo primeiro nome e perguntando da família. A piada se sustenta. O ex-Beatle subiu ao palco na arena do Palmeiras pela nona vez na noite desta terça-feira (15). E, para alegria geral, foi tudo como o esperado.
Depois de nove shows no ano passado, a turnê “Got Back” retorna em uma segunda etapa no Brasil. Com duas noites seguidas em São Paulo e a apresentação em Florianópolis no próximo sábado (19), ele completará 40 shows no país.
Pelo público que estava no Allianz, o ritmo de visitas pode continuar. Foi uma apresentação consagradora. O repórter conversou com alguns fãs que estavam vendo o ídolo pela quinta ou sexta vez, mas a maioria nessa amostragem nunca tinha encontrado antes Paul McCartney em carne e osso.
Para os novatos na plateia, o impacto é impressionante. São mais de duas horas e meia de show, e o protagonista esbanja uma vitalidade incrível aos 82 anos. Um baixo elétrico não é exatamente um instrumento leve, e além dessa força corporal, Paul exibe uma voz ainda firme, uma das mais reconhecíveis da história do rock.
O repertório da turnê foi preservado com rigor. Os shows apresentam sempre de 36 a 39 canções. Nos últimos dez shows no Brasil, 31 músicas estiveram em todos os setlists. Essas se dividem em 17 originais dos Beatles, sete gravadas nos anos 1970 com sua banda Wings, seis são de seus discos solo e uma, “In Spite of All Danger”, do repertório da banda The Quarrymen, na qual ele tocou com John Lennon e George Harrison antes dos Beatles.
Um show quase totalmente imutável pode ser assistido várias vezes? No caso de Paul McCartney, a resposta é afirmativa. E os motivos não são poucos.
Primeiro, é a oportunidade de estar diante de um homem que tornou global essa manifestação artística chamada rock e ajudou a modificar o comportamento de uma enorme parcela da juventude do planeta nos anos 1960. Esses fãs passaram a filhos e netos uma visão de mundo inquestionavelmente influenciada pelos Beatles.
Em seguida, é incontestável que as canções que mais uma vez transformaram o Allianz Parque num karaokê gigantesco são algumas das mais encantadoras e empolgantes que a música pop conseguiu criar. Mas o mais importante é perceber como Paul consegue montar um show em que a energia só aumenta a cada minuto em que a apresentação avança.
O show desta terça pode ser dividido em quatro blocos. No início, ele escalou canções conhecidas o suficiente para acordar a plateia, mas não necessariamente hits obrigatórios num “best of” de seu trabalho. Misturou muitas canções do Wings, como “Letting Go” e “Le Me Roll It”, com drops iniciais de Beatles, como “Getting Better”.
Depois desse esquenta de uma dezena de canções, ele foi inserindo algumas que elevaram a animação. Quando recorreu a “Love Me Do”, “Blackbird” ou “Lady Madonna”, o público no Allianz já ficou convencido que teria realmente a chance de voltar aos tempos da Beatlemania. E veio a novidade em terras brasileiras: “Now and Then”, a canção reconstruída a partir de uma fita deixada por John Lennon e que se transformou numa música “nova” dos Beatles, lançada no ano passado.
Aí, chegando perto de duas horas de ótima música, teve início a espetacular sequência que incendiou a arena até a versão matadora de “Hey Jude” que encerrou o show “oficial”, antes do bis. E é pura covardia. Quem resiste a ouvir e cantar junto “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Band on the Run” e Get Back”, uma depois da outra?
A trinca final é de deixar quem estava lá com voz rouca no dia seguinte: “Let It Be“, “Live and Let Die” (hit do Wings com as tradicionais labaredas subindo pelo palco em meio a explosões) e “Hey Jude”, capaz de fazer a plateia cantar “Na na na na na na na” pelo tempo que Paul McCartney mandar.
Por fim, o bis, que tem sido há tempos motivo de alguma polêmica entre os fãs. São sete músicas, todas do repertório dos Beatles. Quando “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” surgiu, seguida por “Helter Skelter”, foi emocionante. O problema, se pode ser chamado assim, está nas três músicas finais.
Paul termina o bis de todos os shows com três canções curtas de “Abbey Road” (1969), na ordem em que elas estão no lado B do álbum: “Golden Slumbers”, “Carry that Weight” e “The End”. Tudo bem, é um momento Beatles, mas são muito menos empolgantes do que “Let It Be” e “Hey Jude”, cantadas antes. Para muita gente, fica um certo anticlímax.
Mas, depois do contato direto com uma lenda, tudo é perdoado. O público deixou o estádio completamente entregue a Paul McCartney.