Numa canetada, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os cemitérios paulistanos privatizados voltem a cobrar as tarifas vigentes antes da concessão, em março de 2023, reajustadas pelo IPCA. A decisão vale até que o plenário da corte julgue a constitucionalidade da lei que permitiu a privatização.
Há de fato uma espécie de crise nos cemitérios da cidade. O número de queixas contra o serviço subiu significativamente. Até novembro deste ano, o Procon registrava 442 reclamações; em 2023, foram 272. Boa parte delas está relacionada a preços.
Segundo reportagens de diversos veículos, funcionários das empresas gestoras tentam induzir clientes a contratar os serviços mais custosos, além de esconder a possibilidade de desconto, e mesmo de gratuidade, para a população mais pobre.
Foi nesse contexto que o PC do B propôs a ação de descumprimento de preceito fundamental, que Dino acatou em parte.
O problema começa na imparcialidade. Como a proverbial mulher de César, que deve ser e parecer honesta, o ministro eliminaria dúvidas se tivesse se recusado a relatar ação do partido que integrou por muitos anos.
Em sua decisão, afirma haver violações ao princípio da dignidade humana, o que seria suficiente para justificar a intervenção. Faltou, contudo, um tanto de autocontenção, mercadoria que anda escassa no STF, como demonstram decisões recentes do próprio magistrado.
No começo deste mês, contrariando a Constituição, Dino ordenou recolhimento e destruição de livros jurídicos; em setembro, interveio no Orçamento ao determinar que despesas de combate às queimadas ficassem fora do teto de gastos. No caso agora em tela, não cabe à mais alta corte do país tornar-se fiscal de preços.
Ademais, o ministro recorreu a argumento perigosamente amplo. Com boa retórica, não há norma que não possa ser descrita como violação à dignidade humana ou à moralidade pública.
Esses princípios, quando não consubstanciados em dispositivos legais mais concretos, convertem-se num coringa judicial. Precisam, portanto, ser utilizados com extrema parcimônia.
Note-se ainda que, ao imiscuir-se em preços de serviços privatizados, Dino emite sinal negativo ao setor de parcerias público-privadas —tão necessário para o desenvolvimento do país, principalmente em infraestrutura. Por receio quanto à segurança jurídica dos contratos, empresários pensarão duas vezes antes de participar dos processos de licitação.