Igor Gielow
Do ponto de vista estritamente político, o pacote de medidas econômicas do presidente Lula (PT) é uma confusa mistura de reafirmação de discurso, busca de eleitorado perdido e risco aberto de debacle um ano antes da abertura da corrida eleitoral de 2026.
Lula colocou suas fichas à mesa, só para levar não o proverbial 7 a 1 no fim do dia, mas um 6 a 1, alusão ao recordista dólar da ocasião.
A cada ponderada palavra de Fernando Haddad (Fazenda) durante o longo parto do pacote, o presidente dava a real, como se diz, como se quisesse afirmar sua posição de gastador de esquerda que sempre foi no coração.
Há cálculo nisso, e ele não passa só pelo eleitorado das franjas mais à esquerda que cobram de Lula um radicalismo que nunca foi a marca do petista. Na mira do pacote ficou clara a preocupação com aquilo que Haddad candidamente chamou de “classe média” em seu pronunciamento na quarta (27).
Ao anunciar a proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, ele conversa com o começo da parte intermediária da pirâmide econômica da população, aqueles que têm renda mensal de 2 a 5 salários mínimos.
Neste grupo, e pior daí para cima, Lula tem tido índices de rejeição maior à sua gestão. Assim, se queria pintar seu pacote incerto de corte de gastos com uma cor social, ao menos o presidente tentou.
A chance de a medida ser postergada para análise pelo Congresso para o ano que vem, até porque só valeria mesmo em 2026, é enorme, mas tecnicamente parece difícil que alguém irá de fato se opor a ela, que de resto tem nuances. O problema vem na outra ponta: como cobrir esse buraco de arrecadação.
Haddad diz, com contas e palavreado bastante obscuros, que dá para fazê-lo com o tal imposto dos ricos, candidatíssimo a ser barrado no Congresso. Por óbvio, Lula e seu lugar-tenente de sempre terão alguém a culpar, mas a história recente mostra que isso é ineficaz como forma de tirar responsabilidade de quem ocupa o Planalto.
A questão de fundo é a inapetência assumida de Lula de mostrar-se austero apesar do figurino assumido por Haddad, o que não é novidade. O ministro tem a complacência relativa da Faria Lima e de boa parte da imprensa especializada, mas não consegue milagres, ainda mais quando é escalado para falar sobre o futuro da economia e passa um bom tempo culpando herança maldita.
Ela existe, mas é irrelevante. Mirando à frente, o esforço de Lula de recuperar esse eleitorado de classe média baixa-baixa, digamos, é turvado pela evidente debacle de indicadores com que o governo namora.
O tal do 6 a 1, e nem falamos aqui da jornada de trabalho que explicitou outras contradições de um governo dito de esquerda ante pressões de base.
O dólar a R$ 6 é um fetiche, por certo, mas daqueles que afetam diretamente o bolso do estrato exatamente acima daquele que ganha até 5 mínimos. Falamos aqui de quem vai para a Disney, nas simplificações da “gestão anterior”, como diria o ministro da Fazenda.
A irritação desse pessoal já custou, sendo aqui bem simplista, parte da aritmética que derrubou Dilma Rousseff do cargo em 2016. Nada disso se antevê agora, até pela argúcia mínima de Lula no jogo político, mas a insatisfação não é um item a ser desprezado.
De resto, tudo depende do tempo e de quanto o tal mercado está ganhando com o dólar a R$ 6. O quão mais o patamar se estabelecer, por obra e graça exclusiva da birra de Lula com os agentes econômicos, maior o risco de a insatisfação se traduzir em mais inflação e juros altos para contê-la.
Sob o prisma mais político, o tiro no pé de todo o processo de anúncio do pacote é ainda maior, o que sugere o desgaste da decantada capacidade de Lula.
O petismo federal vinha de semanas de glória, por assim dizer, com a exposição das entranhas do DNA golpista de Jair Bolsonaro (PL) e dos seus. Até a réplica do ex-presidente às revelações da Polícia Federal soa com admissão de culpa.
O bolsonarismo até tentou tergiversar, emplacando o estágio inicial de uma manobra fadada à inconstitucionalidade acerca do direto das mulheres ao aborto nos termos da lei. Não durou dois telejornais, com Lula fazendo o serviço para Bolsonaro de graça.