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03/05/2025

Zuppi é cardeal mais à esquerda entre papáveis – 02/05/2025 – Mundo

Victor Lacombe

Na maior parte do mundo, não é costumeiro que ativistas LGBTQIA+ e partidos de esquerda comemorem a elevação de um arcebispo da Igreja Católica a cardeal. A não ser, talvez, na Itália. A reação de progressistas à decisão do papa Francisco de tornar Matteo Zuppi cardeal foi tamanha que levou a imprensa italiana a brincar: “Esquerda em festa —o capelão do Partido Democrático [principal legenda de centro-esquerda do país] é nomeado cardeal”.

A fama de esquerdista que Zuppi, 69, cultivou na mídia de seu país natal não é injusta. Muito próximo de Francisco e ardente defensor das posições de Bergoglio à frente da igreja, o religioso nascido em Roma nunca escondeu sua preferência por uma igreja aberta a todos —acolhedora de imigrantes, pessoas LGBT e dos pobres, causas importantes para o papa argentino a quem Zuppi, hoje, é um dos favoritos a suceder.

O arcebispo de Bolonha, entretanto, vai um passo além de Francisco e defende uma atuação política da igreja —que se posicione a favor da justiça social e se oponha à ultradireita e ao “mal do nacionalismo, que hoje veste novas roupas e contraria o Evangelho”. Também por isso, é próximo de uma série de figuras políticas de esquerda na Itália e adversário do líder de ultradireita Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro do governo Giorgia Meloni.

A principal fonte de atrito entre Zuppi e a direita italiana é a imigração. Em um discurso em 2019, o cardeal disse que “o populismo é intolerante contra certos grupos que são a garantia contra o totalitarismo: dizer ‘primeiro nós e depois eles’ nos envia para o passado”, e afirmou que a igreja “deve propor, como antídoto para o populismo, o humanismo e o humanitarismo, que não são sinônimos de ingenuidade, mas sim um olhar para a política como uma resposta ao sofrimento”.

O cardeal virou favorito da esquerda (e alvo da direita) também por sua forte presença midiática e uso hábil dos meios de comunicação: além de discursar com frequência em eventos do Partido Democrático, Zuppi costuma dar entrevistas na televisão italiana e em órgãos de imprensa da igreja —quando foi nomeado cardeal, o programa de televisão da diocese transmitiu sua viagem de trem de Bolonha até Roma para receber a nomeação.

Zuppi também foi protagonista de um documentário produzido em 2019 pelo jornalista italiano Emilio Marrese intitulado “O Evangelho segundo Matteo Z”. O filme acompanha a rotina do arcebispo, incluindo sua ida ao trabalho de bicicleta todos os dias, a fim de contar a história dos esforços de Zuppi para “tornar realidade a visão de uma igreja aberta e acolhedora apresentada pelo papa Francisco”.

Críticos do cardeal costumam destacar o fato de que, por trás da sua imagem de humildade, há um homem ambicioso que trabalhou ao longo de décadas para chegar à cúpula da Igreja Católica, cultivando sua proximidade com Francisco e utilizando a influência e prestígio da diocese de Bolonha, uma das mais ricas do mundo. Desde 2022, o arcebispo também é presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), equivalente à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Se eleito papa, é possível que Zuppi aprofunde as reformas de Francisco e avance sobre linhas que o argentino não estava preparado para cruzar. O arcebispo já se posicionou a favor da bênção a casais LGBT —e permitiu que sua arquidiocese realizasse uma dessas bênçãos. Também se mostrou aberto ao fim do celibato obrigatório entre padres, dizendo que o assunto “já está sendo discutido” pelo alto escalão da igreja.

Zuppi é ainda um defensor das posições de Francisco sobre desigualdade e combate às mudanças climáticas, além de ser a favor da possibilidade de que divorciados e pessoas em um segundo casamento possam realizar a comunhão.

As chances de que o arcebispo de Bolonha seja o próximo ocupante do trono de São Pedro não são claras. Além de estar mais à esquerda do que qualquer um dos rivais, dificultando a obtenção de dois terços dos votos do conclave, Zuppi não fala outras línguas além do italiano, o que pode prejudicar seu alcance com o resto do mundo —em especial continentes onde o catolicismo vem crescendo, caso da África.

A seu favor, o cardeal conta com sua proximidade com Francisco e posição influente no Vaticano como presidente da CEI. Também é um dos líderes da Comunidade de Sant’Egidio, uma organização leiga católica que atua em negociações de paz e em causas sociais ao redor do mundo —Zuppi esteve diretamente envolvido com o acordo que pôs fim à guerra civil em Moçambique em 1992.



Fonte: Folha UOL

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