Diogo Bachega
O amor, nunca um tema simples, se complicou. A tecnologia chegou para invadir o desejo, mediar as escolhas dos usuários, ensinar o que eles querem. Uma deslizada para cá, outra para lá, e a gente é selecionada ou descartada. Termos como “ghosting“, o sumiço repentino do interesse romântico, entram para o vocabulário. Em paralelo, todas as velhas questões, da traição às dinâmicas de poder.
Isso está nas crônicas de “Fogo nos Olhos”, livro publicado pela Todavia, em que o argentino Pedro Mairal, hoje morando em Montevidéu, não prega o fim dos tempos, mas narra a vida neles. São histórias de homens e mulheres que, juntos ou sozinhos, navegam os afetos com as turbulências da viagem.
“Dom Quixote vê gigantes, mas são moinhos de vento. As pessoas são um pouco assim no amor, ficam enlouquecidas e veem algo, mas depois o que acaba acontecendo é muito diferente”, diz o escritor. “A tecnologia incrementa essa ilusão, as pessoas estão inventando sua identidade digital.”
Os textos saíram primeiro na Folha, aos domingos, na coluna Nosso Estranho Amor, que Mairal dividia com Anna Virginia Balloussier, Milly Lacombe e Chico Felitti, e agora são publicados como coletânea em seu país e aqui.
Já no conto que abre seu livro, que dá nome à edição argentina, Mairal deixa claro que, ainda que as paixões cresçam em solos áridos, não há escapatória delas. “O amor é um equívoco”, ele escreve. “Todas as pulsões do amor são um equívoco. Mas esse equívoco é a única coisa que existe.”
Na entrevista, ele complementa. “O resto é destruição, morte, ódio, violência. Acredito que sem o amor não há possibilidade de humanidade, pelo menos como a conhecemos.”
Autor de histórias sobre amores, não só no formato mais curto, mas também em romances como “Salvatierra“, sobre a relação entre pai e filho, e “A Uruguaia“, sobre a busca pela felicidade, ele diz acreditar que há algo de narrativo nos próprios relacionamentos.
“Talvez nos apaixonamos para viver uma história. É uma aventura do corpo, da emoção, queremos que nos olhem e também olhar para o outro. Estamos atravessados pela narrativa do amor, de alguma forma.”
E, se o mundo está diferente e a oferta de pessoas para se relacionar é maior do que nunca, cada um precisa enfrentar isso com as limitações —físicas, emocionais, temporais— de sempre. “O corpo quer mais, o afeto quer mais, o amor quer mais, mas às vezes não é possível.”
Isso esbarra, por exemplo, na poligamia. O autor lembra que o “até que a morte nos separe” dos casamentos foi criado quando as pessoas morriam muito mais jovens. Ainda assim, ele diz que a vida é mais complicada em relações que envolvem mais gente —e que o mundo ao redor, da elaboração dos carros às camas de casal, foi montado para a vida a dois.
“Não vejo gente feliz em relações abertas —tampouco as vejo na monogamia, mas continua sendo uma opção que dá tranquilidade às pessoas. Bom, a ilusão de monogamia”, afirma.
Prestes a visitar o Brasil, onde participará da Feira do Livro, em São Paulo, e da Bienal do Livro carioca, que vão acontecer quase ao mesmo tempo em junho, o escritor diz admirar a oralidade na arte do Brasil.
“Gosto muito de Guimarães Rosa, o ‘Primeiras Histórias’ foi e é muito importante para mim. Tanto a canção quanto a literatura brasileiras têm uma energia que tem a ver com o desfrute da palavra dita, do som da palavra.”
Mairal usa o filme “Ainda Estou Aqui“, de Walter Salles, como exemplo da conexão entre a cultura dos dois países, marcados por ditaduras militares, relação que acredita existir entre a semelhança e o estranhamento. O escritor se diz ansioso para estar em contato com seus leitores brasileiros.
“Quando se escreve, é um pouquinho como jogar uma garrafa ao mar, você não sabe quem vai encontrar. Quem abria o jornal nos domingos no Brasil e lia um texto meu?”