Annabelle Timsit
O papa Francisco, que em seu último ano de vida desenvolveu uma conexão especial com a população da Faixa de Gaza e especialmente com a pequena comunidade cristã do território, deixou para seu povo um presente de despedida: seu papamóvel.
Antes de sua morte aos 88 anos no mês passado, Francisco orientou a Caritas, instituição humanitária filantrópica do Vaticano, a transformar o veículo que ele usou durante uma visita à Cisjordânia, em 2014, em uma clínica móvel para tratar crianças palestinas.
Francisco aprovou a iniciativa, denominada “Veículo da Esperança”, e orou por seu sucesso, de acordo com uma carta de novembro de 2024 escrita por um alto funcionário do Vaticano analisada pelo jornal The Washington Post.
“Com o veículo, poderemos alcançar crianças que hoje não têm acesso a cuidados de saúde —crianças feridas e desnutridas”, disse Peter Brune, secretário-geral da Caritas Suécia, que está apoiando a iniciativa.
“Esta é uma intervenção concreta e salvadora em um momento no qual o sistema de saúde em Gaza está quase entrando em colapso total.”
Brune e Anton Asfar, secretário-geral da Caritas Jerusalém, tiveram a ideia de usar o papamóvel no ano passado. O cardeal Anders Arborelius, da Suécia, que é um candidato a suceder Francisco, apresentou a ideia ao pontífice argentino.
Francisco respondeu positivamente. Ele disse: “‘É claro, se houver algo que eu possa fazer por Gaza, pelas crianças em Gaza, por favor, use o papamóvel da maneira que quiser'”, segundo Brune.
Uma questão fundamental é se as autoridades israelenses permitirão a entrada do veículo em Gaza. Organizações humanitárias dizem que os esforços de ajuda têm sido bloqueados no território desde 2 de março. Asfar planeja solicitar autorização ao Cogat, a unidade do Ministério da Defesa de Israel que coordena assuntos civis nos territórios ocupados.
“Esperamos que o Espírito Santo ilumine os líderes e abra as portas para esta grande iniciativa do papa Francisco”, disse ele.
O papamóvel, um Mitsubishi que foi um dos muitos veículos usados para transportar o pontífice diante do público, foi um presente do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, para a visita de Francisco, em 2014, a Belém, cidade da Cisjordânia que é considerada o local de nascimento de Jesus.
Francisco posteriormente presenteou o veículo à ordem franciscana em Jerusalém, que deu permissão à Caritas para modificá-lo.
Francisco visitou a Terra Santa em 2014 e continuou a defender o entendimento inter-religioso e a falar contra a violência durante todo o seu papado.
O papa se manifestou publicamente contra o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e pediu a libertação de todos os reféns. Ele também criticou o custo humano da operação militar de Israel em Gaza, instou ambos os lados a chegarem a um cessar-fogo e emitiu apelos emocionais para proteger as crianças palestinas.
Durante a guerra, ele ligava para uma igreja em Gaza quase todos os dias para verificar como estavam aqueles que buscavam refúgio dos combates.
Agora, enquanto a Caritas Jerusalém trabalha para converter o papamóvel em um veículo médico, Brune disse esperar que isso mostre às crianças em Gaza que “o mundo não se esqueceu” delas.
O papamóvel será equipado com janelas e abastecido com equipamentos para diagnosticar, examinar e tratar crianças, além de fornecer oxigênio, medicamentos e vacinas. Um motorista e médicos trabalharão no veículo enquanto ele viaja por Gaza para ajudar crianças doentes ou feridas, disse Asfar, acrescentando que o trabalho poderia ser concluído em cerca de dez dias.
Um elemento do veículo não mudará: o assento onde Francisco se sentou permanecerá, e os pacientes se sentarão nele quando forem examinados e tratados, disse Asfar. A organização espera que isso “transmita o amor do Santo Padre ao povo de Gaza, especialmente às crianças”.
Asfar disse que o plano para o papamóvel fornecer cuidados de saúde primários em áreas de difícil acesso é especialmente importante porque “o sistema de saúde entrou em colapso em Gaza”. De acordo com a última atualização da Organização Mundial da Saúde em março, apenas 48% dos centros de atenção primária à saúde no território estavam funcionando.
O Cogat disse ao Washington Post em comunicado que não estava familiarizado com a iniciativa e que a aprovação para o papamóvel entrar em Gaza teria de vir do governo. O gabinete do primeiro-ministro israelense não respondeu a um pedido de comentário na segunda-feira.
Brune disse que a Caritas planeja expandir a iniciativa “Veículo da Esperança” além de Gaza e converter veículos em clínicas móveis de atenção primária à saúde em zonas de conflito ao redor do mundo.
“Gaza foi apenas o começo”, afirmou ele.
