De vivência internacional ele entende bem. De família indiana, Sundeep Sahni, 41, nasceu no Kuwait e mudou-se jovem para os EUA, onde fez faculdade. Com apoio de uma empresa alemã, ajudou a fundar um unicórnio em Singapura, depois comprada por uma gigante chinesa. Em seguida, atuou em uma startup no Irã e, finalmente, mudou-se para Dubai, onde abriu uma healthtech com uma amiga de origem turca.
Em entrevista a Época NEGÓCIOSo empreendedor serial Sundeep Sahni conta como foi sua jornada internacional, as vantagens de explorar mercados totalmente desconhecidos por ele e os impactos da Primavera Árabe e da pandemia em sua trajetória.
Início de carreira e Primavera Árabe
Formado em Ciências da Computação pelo Boston College, nos EUA, Sahni começou a trabalhar em um banco de investimento. Iniciou a carreira no Credit Suisse em Nova York, e depois foi transferido para Londres. Em seguida, passou a atuar com private equity no Egito.
Aí veio a Primavera Árabe, uma série de protestos de rua que aconteceram nos países árabes do norte da África e no Oriente Médio, a partir de 2010, especialmente contra governos autoritários e a crise econômica na região. O movimento chegou ao Egito em janeiro de 2011, quando, então, Sahni decidiu deixar o emprego e retornar aos EUA para fazer um MBA em Empreendedorismo no Insead.
“Eu honestamente nunca havia pensado em me tornar um empreendedor até estar em banco de investimento e em private equity. Eu me encontrava com CEOs de empresas, porque eu estava no conselho delas. Percebi que eles não eram muito honestos comigo. Então, pensei que deveria trabalhar em uma startup ou administrar um negócio para tentar entender por que essas pessoas estavam sempre tentando esconder as coisas de mim”, conta ele.
Criando um unicórnio no Sudeste Asiático
Após o MBA, em 2012, Sahni juntou-se a um grupo de empreendedores estrangeiros apoiados pelo fundo de investimentos alemão Rocket Internet. Eles criaram a empresa de comércio eletrônico Lazada, em Singapura.
“Eu nunca tinha estado em Singapura antes, me mudei para lá e, antes que eu percebesse, estava construindo uma empresa de comércio eletrônico”, conta. “Entrei na Lazada como cofundador e rapidamente construímos o negócio do zero até a saída. Foi uma jornada de quatro anos. Tudo foi muito, muito rápido.”
No início, Sahni conta que ajudava na arrecação de recursos para o negócio, mas depois passou a ser co-CEO da empresa na Indonésia, maior país do Sudeste Asiático. “Novamente, não sabendo de nada e nunca tendo vivido na Indonésia. Apenas focando”, lembra.
A jornada de Sahni na Indonésia se estendeu até o controle da Lazada ser adquirido pelo gigante grupo chinês Alibaba, em 2016, por US$ 1 bilhão, tornando-se um unicórnio.
Após a saída da Lazada, Sahni foi convidado pelo grupo japonês Softbank para ser consultor em uma das empresas de seu portfólio: a Ola Cabs, na Índia, que tinha um modelo de negócios semelhante ao Uber. A missão dele era gerar novas categorias de serviços – ele criou, por exemplo, o Ola Tuk Tuk, de veículos de três rodas, e o Ola Shuttle.
Mas a passagem do empreendedor pela Índia foi curta. Após alguns meses, ele recebeu a ligação de um amigo, contando que estava lançando um aplicativo de carona no Irã: o Snapp. Mudou-se, então, para o Irã, onde ficou até 2021, como COO da empresa. “O Snap foi o segundo maior empregador do Irã, depois do exército. Foi muito inspirador”, conta.
Foi quando veio a pandemia, e Sahni pegou Covid. Mudou-se para Dubai, onde acabou no hospital internado na UTI, muito doente. “Este foi provavelmente o momento mais assustador da minha vida e eu não sabia se iria chegar ao outro lado ou não, se conseguiria sair ou não.”
Felizmente, conseguiu se recuperar da doença e passou um tempo bastante focado em sua saúde. Reencontrou-se com a amiga de MBA Nadine Karadag, 40, nascida na Turquia, mas que havia vivido mais de 30 anos em Dubai. Os dois estavam num momento e num movimento semelhante, e decidiram que iriam, juntos, empreender na área de saúde.
E foi assim que, ainda em 2021, nasceu a HealthTech Valeo. A startup tem coleta de exames a domicílio, com os usuários pagando apenas pelos serviços que usam – como num “Uber da saúde” –, além de informações personalizadas para cada usuário, com base nos resultados dos exames. Os focos iniciais da startup foram longevidade, perda de peso e cuidados preventivos e, agora, estão passando a trabalhar também com doenças crônicas.
“Anteriormente, nos concentramos apenas em pessoas saudáveis que tentavam ficar mais saudáveis. Agora, também estamos nos concentrando em pessoas doentes que querem ficar mais saudáveis”, diz Sahni.
Com atuação hoje nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita, a Valeo conta com um time de 30 enfermeiras, além de outros parceiros. “Conseguimos uma enfermeira para você, em qualquer lugar da Arábia Saudita ou Emirados Árabes Unidos, em 30 minutos, independentemente do trânsito”, explica. Soma-se a isso, conta ele, o uso da inteligência artificial para dar recomendações de saúde aos usuários.
A Valeo, que já tem entre seus investidores a Global Ventures, acaba de fechar uma rodada série B de US$ 18 milhões, ainda a ser oficialmente divulgada, e planeja expandir-se para Kuwait, Qatar e outros países da região, conta a dupla.
Para Sahni, o fato de ter ido atuar em países onde não conhecia ninguém foi uma vantagem porque podia se focar 100% no trabalho. Além disso, segundo ele, é muito motivador ver a entrega dos funcionários numa startup.
“Em todos os países que visitamos, conseguimos encontrar boas pessoas que estão dispostas a trabalhar muito se acreditarem no que você está fazendo. E o que eu também vi é que, à medida que você desenvolve uma startup, a fé dos funcionários em sua empresa aumenta todos os dias, porque eles veem que estão realmente criando uma mudança real no mundo. E é isso que eu amo mais do que tudo”, explica.
E como levar essa vida louca tendo uma família, pergunto a Sahni, que atualmente é casado e tem dois filhos.
“Minha esposa tem sido um pilar na minha vida. Dizem que por trás de todo homem de sucesso há uma mulher. Acho que ainda não sou bem-sucedido. Eu nunca diria isso. Mas, definitivamente, minha esposa tem sido uma das maiores razões pelas quais eu pude me mudar para tantos países. E ela tem sido muito solidária”, conta.
Por outro lado, reconhece que as mudanças foram mais fáceis porque os filhos eram pequenos à época. Agora, espera fincar os pés e permanecer em Dubai até eles virarem adultos. “Se você quer construir uma startup, faça-o antes de ter filhos ou antes de seus filhos completarem cinco anos. Porque depois, dos cinco aos 18 anos, acho que é muito difícil”.
Rumo a um novo unicórnio
Finalmente, pergunto a Sahni qual seu sonho para o futuro – e ele não sonha pequeno, não. “Eu li uma citação que dizia que todo empreendedor quer se tornar um empreendedor de tecnologia de saúde, e todo empreendedor de tecnologia de saúde quer ter um impacto real na vida das pessoas”, explica. Diz que quer transformar a Valeo em um unicórnio
“Quero fazer isso, de forma mais importante, para que os investidores acreditem na saúde e invistam na saúde. Tem havido muitos investidores que ficam longe da tecnologia da saúde porque é uma jogada de longo prazo. Não é como táxi ou comércio eletrônico, que você pode construir muito rapidamente. A saúde tem regulamentação, a saúde tem partes interessadas, tem seguro. E você precisa trabalhar com todas essas partes interessadas para construir uma grande empresa de tecnologia de saúde”, explica o empreendedor. “Quero ser capaz de construir o primeiro unicórnio de saúde nesta parte do mundo.”
* A jornalista viajou a convite do Departamento de Economia e Turismo (DET) de Dubai