As ruas pareciam Gaza. Casas reduzidas a escombros, paredes marcadas por tiros, estradas destruídas por escavadeiras. Bairro após bairro, tudo estava deserto.
Mas esta não era a Faixa de Gaza, território devastado pela guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, onde dezenas de milhares de pessoas foram mortas e a fome se alastra. É a Cisjordânia ocupada, outro território palestino onde o Exército israelense vem intensificando o controle numa repressão sem precedentes em uma geração.
Os contornos dessa nova ofensiva estavam se revelando durante uma visita recente de repórteres do New York Times à cidade de Jenin, onde bairros antes densamente povoados foram esvaziados desde o início de uma operação em janeiro. Em uma dessas áreas, viviam mais de 10 mil pessoas até pouco tempo atrás. Agora, está vazia —com ruas bloqueadas por montes de terra e ladeadas por pilhas de entulho.
Nesta semana, o Exército israelense anunciou que demoliria casas em Tulkarem, cidade próxima a Jenin, para tornar bairros e ruas congestionadas mais acessíveis às forças israelenses e evitar o ressurgimento de grupos radicais.
“Estão tirando o meu futuro”, disse Muath Amarne, estudante universitário de 23 anos, no dia em que soube que sua casa em Tulkarem seria demolida.
Israel tem realizado operações militares frequentes nesta região nos últimos anos, mas suas forças quase sempre se retiravam em poucas horas ou dias. Desde janeiro, no entanto, o Exército mantém sua presença mais prolongada no coração das cidades da Cisjordânia em décadas.
A campanha tem como alvo o Hamas e outro grupo palestino, o Jihad Islâmico. Nas últimas semanas, no entanto, os confrontos tornaram-se raros —sinal de que Israel e as autoridades palestinas na Cisjordânia prenderam ou mataram muitos dos membros dessas facções.
As duas cidades mais afetadas, Jenin e Tulkarem, são há muito controladas pela Autoridade Palestina —o órgão semiautônomo que coopera com Israel em questões de segurança e que muitos palestinos esperavam que se tornasse o governo de um futuro Estado.
Mas a presença prolongada de Israel nessas cidades mina os poderes da Autoridade Palestina. Israel argumenta que a autoridade não estava fazendo o suficiente para conter a militância extremista no território.
“Estamos num ponto de virada do conflito”, disse Mohammed Jarrar, prefeito de Jenin, em entrevista em março. “Israel está agindo como se a Autoridade Palestina não existisse.”
O ataque israelense começou dias após um cessar-fogo em Gaza em janeiro. Por volta dessa época, o governo acrescentou um novo objetivo à guerra: enfraquecer os grupos na Cisjordânia.
Dias depois, veículos blindados apoiados por helicópteros invadiram o campo de refugiados de Jenin.
Israel afirma ter matado mais de cem integrantes desses grupos e prendido centenas desde o início da operação. Estima-se que cerca de 40 mil palestinos tenham sido deslocados —mais do que em qualquer outra campanha militar na Cisjordânia desde que Israel capturou o território na guerra do Oriente Médio de 1967.
Isso despertou temores entre alguns palestinos de uma segunda Nakba —palavra árabe para “catástrofe”, usada para descrever a fuga em massa e expulsão de palestinos durante a guerra que se seguiu à criação de Israel, em 1948.
“Tenho medo de não conseguir voltar para casa, como em 1948”, disse Saleema al-Saadi, 83, moradora do campo de Jenin que diz ter sido deslocada pela primeira vez quase oito décadas atrás.
No fim de fevereiro, o ministro da Defesa, Israel Katz, ordenou que as forças israelenses se preparassem para permanecer em Jenin e Tulkarem por até um ano.
Se isso acontecer, será uma mudança significativa na forma como as cidades da Cisjordânia são administradas desde a criação da Autoridade Palestina nos anos 1990. Na época, Israel cedeu à autoridade a maioria das responsabilidades de governança nas cidades.
Os repórteres do Times visitaram o campo de Jenin escoltados por um funcionário sênior do Exército israelense em um veículo blindado para obter acesso raro a áreas restritas. O Times não permitiu que os militares revisassem o conteúdo da reportagem antes da publicação, mas concordou em não fotografar os rostos de alguns soldados israelenses.
Grupos armados palestinos construíram fábricas de armas nos campos, se entrincheiraram nos distritos mais povoados e plantaram explosivos improvisados nas ruas para emboscar soldados israelenses.
As forças israelenses patrulham os campos de Jenin e Tulkarem dia e noite. Vão de prédio em prédio em busca de armas e explodem casas que acreditam ter sido usadas para fins militares.
Também estão alargando estradas, segundo fotos aéreas, o que facilitaria o acesso de soldados às áreas densamente povoadas. O Exército tem demolido edifícios e vias que considera esconderijos terroristas ou armadilhas.
“Eles estão sinalizando que querem anexar”, disse Ammar Abu Bakr, presidente da câmara de comércio de Jenin, ecoando o medo de muitos palestinos.
Esse receio se alimenta do fato de que ministros poderosos no governo de linha-dura de Israel defendem a anexação da Cisjordânia, lar de cerca de 3 milhões de palestinos e 500 mil colonos israelenses.
Os campos —bairros densos que os palestinos dizem representar a condição dos refugiados—abrigam dezenas de milhares de pessoas há décadas. O que antes eram conjuntos de tendas evoluiu para estruturas de concreto em comunidades pobres.
Abu Bakr e o prefeito Jarrar afirmaram que foram informados no final de janeiro pelo tenente-coronel Amir Abu Janab, militar israelense responsável por Jenin, de que Israel planejava transformar o campo de Jenin em um “bairro normal” —o que muitos palestinos rejeitam por considerarem uma tentativa de apagar o símbolo do sofrimento dos refugiados.
Segundo eles, também foi dito que a UNRWA, agência da ONU que presta assistência a palestinos e administra escolas e clínicas na Cisjordânia, deixaria de atuar no campo. Israel tem relações tensas com a agência, e a hostilidade aumentou desde o início da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, após os ataques terroristas do Hamas.
O Cogat, órgão militar israelense que lida com assuntos civis palestinos, não quis comentar.
O Exército israelense nega ter forçado pessoas a sair. Mas palestinos relatam ter sido ameaçados com violência caso não obedecessem.
Kifah Sahweil, 52, contou que um drone israelense sobrevoou sua casa em Jenin há alguns meses, ordenando-a por alto-falante a levantar as mãos e sair. Segundo ela, o drone ameaçou atacar sua casa caso não cumprisse.
Depois que Sahweil saiu às pressas com seu filho, o drone os seguiu e indicou onde deveriam ir até saírem do campo. “Senti que eles iam nos matar”, disse Sahweil.
O militar sênior que conduziu a visita a Jenin afirmou que as forças israelenses estão demolindo infraestrutura como túneis, depósitos e fábricas de armas, negando que Israel tenha objetivos além de restaurar a segurança. Falou sob anonimato, conforme o protocolo militar.
Ele apontou para uma antiga estação de trem, construída em 1908 durante o Império Otomano, agora danificada. Segundo ele, integrantes dos grupos palestinos haviam escavado um túnel secreto sob o local, que foi destruído pelo Exército.
A cerca de 10 km do campo de Jenin, centenas de palestinos deslocados estavam espalhados por prédios originalmente destinados a estudantes universitários.
Mohammed Abu Wasfeh, 45, morador do campo de Jenin, ajudava os recém-chegados a se instalar em apartamentos de um cômodo enquanto crianças brincavam do lado de fora. Para ele, o mais doloroso não foi ser expulso de casa, mas não saber o que aconteceu com ela.
“Estamos vivendo no desconhecido”, disse ele. “Estamos passando por uma jornada tortuosa e desestabilizadora.” E declarou: “Perdemos o controle de tudo.”