Por: Inácio Araujo
Para quem achou durante anos, ou décadas, que só no Brasil o cinema precisa se apoiar no Estado para existir, “Hollywood e o Mercado de Cinema no Brasil” traz, entre outras, uma revelação dolorosa: a história não é bem assim.
Graças a uma bolsa da Fundação Fullbright, o autor desse livro, Pedro Butcher, revirou arquivos, livros, documentos, correspondências onde encontrou elementos para demonstrar que a hegemonia hollywoodiana se deve a inúmeros fatores, mas a qualidade de seus filmes talvez nem seja a principal.
Para entender essa história, Butcher voltou aos primeiros anos do século passado, quando, a pretexto de os filmes franceses (então dominantes) trazerem imoralidades, os produtores americanos conseguiram fazer o negócio dos europeus minguar o bastante para que eles se tornassem hegemônicos em seu próprio território.
Depois é que viria a conquista do mundo. A Primeira Guerra foi um fator decisivo para que a hegemonia da produção passasse à América. Produtores como França e Itália viram seus países ser destruídos, e a indústria desses países definhou. No mais, já não era tão fácil atravessar o Atlântico levando as latas e latas de filmes, a América Latina aparecia então como território a conquistar de imediato.
Essa hegemonia, como sabemos, foi avassaladora e dura até hoje. Mas foi construída cuidadosamente e contou com o patrocínio do Estado, sim. Claro, havia ali uma iniciativa privada competente. Mas o que seria dela se o governo dos EUA não tivesse aproximado os estúdios de Hollywood dos bancos de Nova York que os financiavam?
E como teria sido essa penetração num território desconhecido sem a ajuda providencial dos Departamentos de Estado e do Comércio, ambos alimentados por informações fornecidas sobretudo pelos consulados. Assim, o império hollywoodiano se consolidou entre nós. Para o Depto, de Estado era importante impor o que hoje se chama de “soft power”, através da intervenção diplomática. Como bem sabia o Departamento de Comércio, tratava-se de, atrás dos filmes, vender “nossos produtos”.
Algumas pessoas já sabiam dessa história, mas vagamente. No geral, vendia-se (vende-se até hoje) o mito de que Hollywood é um “self made” empreendimento. O que esta nova e vasta pesquisa traz são cartas, memorandos, artigos de imprensa, tabelas que comprovam o passo a passo da penetração do cinema dos EUA em nosso país, e de uma hegemonia que começa com a abertura dos escritórios da Universal, em 1915, logo seguida por Fox e Paramount.
Esses estúdios, já então instalados em Hollywood, iniciaram sua expansão contando com informações oficiais sobre a natureza do país, hábitos de consumo, extensão da rede ferroviária (por onde os filmes eram levados aos consumidores) etc.
Leon Gaumont, o fundador da Gaumont, disse que a Primeira Guerra foi feita sob medida para a indústria americana. Não só por causa da destruição que causou na Europa. Aqueles quatro anos foram o tempo decisivo para os produtores americanos se instalarem em países como o Brasil, dominarem o sistema de distribuição e com isso submeterem os exibidores locais a seus interesses.
Essa ocupação do mercado, sem concorrência relevante, e foi graças a ela que o tipo de narrativa americano floresceu e se impôs de tal modo que, como escreveu Kristin Thompson, os demais estilos não seriam percebidos senão como “alternativos”. Isso na melhor das hipóteses: poderiam também ser vistos como apenas incompetentes, incapazes de fazer o que Hollywood fazia.
Com isso, criou-se o oligopólio, isto é, o controle do cinema por um grupo de estúdios (reunidos na Motion Pictures Producers and Distributors of America) que, ao longo dos anos 1920 se tornaria mundial.
É interessante observar o monitoramento que era mantido da penetração de filmes de outros países no Brasil. Assim, um relatório aponta o crescimento da presença de filmes alemães, que passaram de 1,88% em 1925 a 6,42% em 1929, enquanto os filmes brasileiros caíam, no mesmo período, de 4,08% a 2,37%.
Não é difícil imaginar que esse tipo de controle prossiga até hoje e é essencial ao domínio completo dos mercados locais. Claro que, no caso brasileiro, contou também o fato de ser um país capaz de absorver com facilidade hábitos e produtos estrangeiros (e nem sempre à maneira antropofágica de Oswald de Andrade).
Esse sobrevoo por algumas das questões colocadas por Butcher me parecem caracterizar esse “Hollywood e o Mercado de Cinema no Brasil” como um desses raros estudos que transformam a historiografia do cinema e marcam um antes e depois de sua existência: o que era até agora palpite, opinião ou mesmo intuição sobre esse processo de dominação, agora se encontra devidamente comprovado.
No mais, esse livro existiu antes como tese de doutorado, mas isso não deve assustar ninguém: por vezes parecia que eu estava lendo um romance de aventuras. E não só pela escrita agradável; essa conquista do mundo simbólico pelos EUA tem, de fato, muito de uma história de aventuras.