Por: Tulio Kruse
João Carlos Kiss gostava de sentir o vento no rosto e a vibração do motor na estrada. Andar de moto, quase sempre sozinho, era sua forma predileta de relaxar.
Circular com sua Honda XLR 250 nas estradas do entorno da região metropolitana de São Paulo era seu escape de uma vida intensamente dedicada ao trabalho. Era designer e diagramador especializado em revistas e jornais.
As artes gráficas atravessaram a história da família Kiss em São Paulo. Seu pai, João, trabalhou por muitos anos na manutenção de máquinas da Abril Cultural, empresa dedicada à publicação de livros, discos e fascículos da editora Abril.
Ele trabalhou na mesma empresa do pai, foi contratado pela Publifolha —editora do Grupo Folha—, depois tornou-se diagramador na Redação do jornal Notícias Populares e, mais tarde, da Folha. De junho de 1988 a fevereiro de 1996, atuou como tráfego publicitário, produtor gráfico e artefinalista. Depois, de novembro de 1999 a novembro de 2002, foi diagramador.
Seu filho mais velho, Gabriel, 33, aprendeu como diagramar jornais e revistais com o pai. Por muitos anos, trabalharam juntos na empresa que ele montou na própria casa depois de passar por redações de jornal, a KM Graphic Design. Gabriel seguiu seu próprio rumo depois de anos de parceria com o pai, e hoje é diretor de arte.
João Carlos nasceu e cresceu em Pirituba, no noroeste da cidade de São Paulo. Era o mais velho de três filhos de um mecânico e uma dona de casa. Kiss era o nome da família do pai, filho de iugoslavos que migraram para o Brasil. A mãe nascera em Cambuí, em Minas Gerais.
Da infância, carregava memórias carinhosas das avós, e dos dias em que seu avô levava as crianças da família para comer doce no bairro.
Conheceu Maria Aparecida quando tinha 20 anos. Faziam parte de um grupo de amigos que organizavam a festa junina da paróquia São Luiz Gonzaga, na zona norte da capital —Kiss não era devoto, mas adorava festas juninas e apoiava o trabalho de assistência social da igreja. O dinheiro arrecadado era destinado a famílias pobres.
Tinham uma quadrilha tão animada e bem ensaiada que ganharam um prêmio num campeonato realizado no Anhembi. Ele e Maria Aparecida se casaram, e Gabriel nasceu oito anos depois de se conhecerem. E depois de outros oito anos, veio Rafael.
Em outubro do ano passado, um mês após a morte da mãe, ele fez uma cirurgia de transplante de medula óssea. Trabalhava com um notebook no quarto de enfermaria durante a recuperação.
Repetia uma frase que havia aprendido com um professor no colégio: fazer o seu melhor na condição que você tem, enquanto não tem condições melhores para fazer melhor ainda.
Ele morreu no início de setembro por complicações de uma síndrome mielodisplásica, deixando a esposa, os dois filhos e o pai.