Barbara Demerov
Entre os escombros da violência e da sede de poder, existe uma camada idealista escondida na antiga Roma pensada por Ridley Scott. O cineasta britânico já havia flertado com essas nuances em “Gladiador”, vencedor do Oscar, e agora retorna com o mesmo olhar em “Gladiador 2”.
O longínquo sonho de esperança e igualdade do antigo imperador Marco Aurélio, papel de Richard Harris, é aproveitado aqui como contraponto a uma cidade perdida em meio a guerras brutais, que jamais prioriza o bem-estar geral. Ninguém mais acredita em fantasias —a resposta é sempre a violência.
A sequência grandiosa, acerta por apostar em boas subtramas, além de um apelo pop com a atualização do elenco, com Paul Mescal e Pedro Pascal.
Lucius, o protagonista de Mescal, surge despido de qualquer senso de heroísmo. O jovem não quer ser um herói, mas se porta como um líder desde a primeira cena e sai com ímpeto de vingança quando se vê prisioneiro dos romanos.
Ele é o herdeiro de Maximus, o personagem de Russell Crowe no filme de 2000, mas não é o protagonista convencional cuja missão é clara desde o começo. É uma trajetória conturbada, pois, ao longo do caminho, ele abraça um ideal que já tinha deixado para trás.
No poder de Roma estão os irmãos Geta, em ótima interpretação de Joseph Quinn, e Caracalla, papel de Fred Hechinger. Ambos são imperadores sanguinários e infantis que preferem festejar a governar. O visual da dupla, inclusive, faz claro aceno ao do tirano Commodus, o antagonista de Joaquin Phoenix do filme anterior.
É dentro deste contexto que surge o general Acacius, vivido por Pascal, que faz missões em nome do império, mas quer derrubar o próprio governo em segredo. O mesmo pode-se dizer do veterano Denzel Washington, excelente como Macrinus, um antigo escravo e mercador de armas. A dualidade dos personagens ajudam o filme a funcionar como épico —e não apenas como uma sequência numa franquia.
Scott faz personagens inspirados em figuras reais, e não está interessado em fidelidade histórica. O principal é aproveitá-los em situações extremas e em cenários grandiosos como a arena de batalha. Com isso, “Gladiador 2” se torna ainda mais sangrento e feroz que o anterior.
E, ainda bem, a construção dos personagens não é deixada de lado mesmo em meio às diversas cenas de brutalidade, seja num Coliseu cheio de água, em navios ou numa festa com a presença dos imperadores.
Mescal está bem diferente dos seus papéis na série “Normal People” e no drama “Aftersun”. Com “Gladiador 2”, ele comprova seu talento para personagens de dentro do eixo hollywoodiano, bem como Pascal, que fez “The Last of Us” e estará no próximo “Quarteto Fantástico”.
A dupla faz valer as cenas de ação, que são um chamariz da produção. A grandiosidade técnica das batalhas se equiparam às do primeiro filme e impressionam com a tecnologia atual. O domínio de Scott nos embates corpo a corpo se mantém como um dos maiores trunfos da sua direção.
No entanto, apesar do elenco inspirado, o roteiro escrito por David Scarpa, que também trabalhou com o Scott em “Napoleão”, acaba sendo um tanto enfraquecido pela pressa com que as muitas tramas são abordadas.
Um exemplo é o pouco tempo de desenvolvimento entre Lucius e sua mãe, Lucilla, vivida pela segunda vez por Connie Nielsen. Tal relação é resumida em frases expositivas, e alguns diálogos apressados na montagem quebram o impacto.
A sorte é que a essência de “Gladiador” está viva. A trilha sonora é outro destaque e, para a emoção do público que acompanhou a estreia em 2000, a canção “Now We Are Free”, de Hans Zimmer e Lisa Gerrard, volta como um detalhe nostálgico.
Nessa sequência, Scott mostra como o idealismo se torna antiquado numa sociedade em declínio. E mesmo apontando uma provocação ao heroísmo clássico, ele se recusa a fechar essa porta por completo.