Por: Davi Krasilchik
Amigos de um colégio interno aproveitam seus últimos dias juntos. Quartos com beliche se tornam pistas de dança, sempre com espaço para abrigar mais gente, um dominó de colchões domina o corredor, e os banhos de sol à beira-mar despertam memórias de suas histórias juntos.
Por entre as confissões e brincadeiras dessa juventude, o francês Guillaume Brac filma o presente com a leveza de quem não teme o amanhã. “É Apenas um Adeus”, em cartaz na Mostra de Cinema de São Paulo, reforça o tom lúdico dos trabalhos do diretor, reconhecido pela espontaneidade de seus registros.
Se em “Ilha do Tesouro” ele navega por um parque aquático que marcou sua infância, e em “Embarque” acompanha os atores em festas de verão, o diretor prioriza cenas longas, focadas em situações leves, em detrimento de tramas clássicas. Seja na ficção, seja no documentário, sua visão não aprisiona personagens sob rumos determinados, sempre aberto a outras possibilidades.
Nessa visão do internato francês, chama atenção a naturalidade com que Brac transita pelo ambiente. Por mais que parte dos cômodos seja apertada, sua presença não provoca qualquer desequilíbrio. Pelo contrário —o cineasta pouco interfere nas distrações e divertimentos daqueles que observa.
Ainda que não possamos adivinhar as instruções por atrás das câmeras, o cineasta procura o estado mais puro daqueles jovens, pouco envergonhados de sua ingenuidade ou desejos. A câmera está sempre próxima desses alunos, independentemente de sua posição dentro do quadro.
O espectador nunca está distante desses estudantes e se torna cúmplice das badernas da madrugada e confidente de suas histórias de vida. Dividido em capítulos conforme o nome de cada jovem, certos padrões do filme são curiosos. Cada bloco começa com um breve relato sobre os respectivos pais, e mira em um tempo pregresso àquele em tela.
Mas em vez de recorrer a arquivos ou qualquer necessidade de materializar essas passagens, Brac se mantém com o grupo, sobrepondo os relatos aos descendentes. É como se a direção unificasse dois momentos em um, forçados a coexistir.
De um lado, lembranças de vidas passadas, que se sedimentam naquele espaço. Do outro, os possíveis futuros reservados àqueles estudantes. A realidade divide espaço com a fábula de forma orgânica.
É curioso que o diretor construa isso de maneira tão cotidiana. Em outra sequência, vemos um dos alunos andando em uma trilha. De costas, ele segue sempre em frente. Parece pouco se importar com a câmera que o acompanha, transmite a segurança de saber onde quer chegar.
Sobreposta à cena, na trilha sonora, ouvimos o relato de uma manifestação violenta, repleta de descrições explícitas. Nesse choque entre a imagem e o som, nosso imaginário projeta ideias contrárias ao andar certeiro, contínuo, esperançoso. Nada pode interromper a caminhada do menino.
Se Brac parece menos lírico aqui que em outros projetos, “É Apenas um Adeus ” demonstra o que há de mais especial em sua assinatura. Enclausurado em bagunçados quartos estudantis, o cineasta condensa diferentes temporalidades em uma só. Parece brincar com tudo que pode se encaixar em uma mesma imagem —como um corte de madeixas que um dia irão crescer de novo ou um beijo tímido que nunca se concretiza.
Brac desafia a si mesmo, como um jovem que testa os próprios limites. A certeza de que as amizades de uma tarde de verão chegam, ao fim, dá lugar à constatação daquilo no que podem se transformar. Nesse filme, o cineasta mostra que não teme nada do que está por vir.
