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Religião: Jurema e Umbanda conquistam fiéis na Europa – 15/10/2024 – Virada Psicodélica



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Em pesquisas para o livro “A Ciência Encantada de Jurema – Como uma raiz da caatinga uniu indígenas e africanos na resistência anticolonial e hoje inspira pesquisas psicodélicas”, com lançamento previsto para abril pela Fósforo Editora, reuni muito material sobre Catimbó/Jurema Sagrada que terminou não aproveitado. Por exemplo, algumas de suas manifestações fora do Brasil.

No centro dessa religião está uma árvore da caatinga, a jurema-preta (Mimosa tenuiflora). A bebida cerimonial chamada de vinho da jurema se prepara com a raiz da planta, que contém a substância psicodélica dimetiltriptamina (DMT), mesmo modificador da consciência presente na ayahuasca, ou daime, que vem sendo investigado pela ciência por seu potencial antidepressivo.

A curiosidade que leva as pessoas à Jurema, umbandizada ou não, extravasou do Nordeste também para o exterior. Por outro lado, não se pode dizer que tenha alcançado a mesma disseminação do Santo Daime ou da União do Vegetal.

As raízes do Catimbó se imiscuem também, além das ramas ameríndia e africana, no catolicismo tradicional e na feitiçaria portuguesa, assinala Ismael Pordeus Júnior, da Universidade Federal do Ceará, no artigo “A Expansão da Jurema na Península Ibérica” (Revista de Ciências Sociais, 2016, p. 248).

A mestiçagem que tivera início com a colonização dá uma volta completa e retorna à metrópole na bagagem de “peregrinos carismáticos”. Segundo Pordeus Júnior, esse retorno começa já na esteira da Revolução dos Cravos, tendo como pioneira Virgínia Albuquerque, portuguesa que em 1950 se mudara para o Rio, onde se converteu à Umbanda, prática que levaria consigo ao se reestabelecer em Portugal.

Após a virada do século 21, chega a vez de a Jurema trasladar-se para a Península Ibérica, alcançando primeiramente Madri e depois Cadaval e Azeitão, em Portugal. Um dos pioneiros foi o juremeiro e pai de santo Arnaldo Burgos, originário do Recife.

Na Espanha já existia uma Casa de Candomblé e lojas especializadas na venda de material para as práticas dessas religiões. Burgos ficou lá dois anos e foi para Portugal, onde tinha conhecidos, que começaram a lhe cobrar a abertura de uma casa de Jurema.

A maioria das pessoas a procurá-lo levava questões sentimentais, de solidão. No Brasil, antes, eram mais problemas de trabalho, financeiros e também de amor. “Não é feitiçaria, de amarração. Maria Navalhada é muito querida e muito procurada.”

Em 2007 Pordeus Júnior conheceu outro juremeiro recifense, Josenildo Ferreira da Silva, jovem de 37 anos que abriu em Azeitão o centro espírita Vila Alhandra. Como ele mesmo narrou ao antropólogo, nasceu no Recife em 1970, filho de pais do Candomblé e da Umbanda, e a mãe já cultuava a Jurema.

“Muitas religiões se movem em uma ‘transcendência transnacional’, ultrapassando fronteiras, reelaborando centros e periferias do mapa-múndi e evidenciando o Brasil como fonte pós-colonial da globalização das práticas espirituais”, afirma a antropóloga Joana Bahia no artigo “E o Preto Velho Fala Alemão: Espíritos Transnacionais e o Campo Religioso na Alemanha” (Revista del CESLA, International Latin American Studies Review, 2015, p. 182).

Embora o texto não mencione a Jurema Sagrada, Bahia chama a atenção para a ressonância da cosmogonia de religiões mediúnicas afrobrasileiras (entre as quais se inclui o Catimbó-Jurema) com a centralidade da ideia de Natureza na cultura europeia.

A representação do Orixá como algo pessoal, manifestação da natureza e essência da pessoa, parte do desenvolvimento das capacidades mediúnicas como um processo de transformação, permitindo traduzir as práticas na linguagem New Age: “O Orixá harmoniza as forças cósmicas com a luz divina própria de cada indivíduo, que está totalmente interligada às etapas de desenvolvimento pessoal”.

Assim é que adeptos suíços, alemães e austríacos, explica Bahia, não precisam conhecer Caboclos, Boiadeiros e outras entidades para incorporá-los, bastando compreendê-los como forças espirituais. Apesar disso, e a exemplo do que acontece em muitos cultos do Santo Daime no exterior, cujos hinos são cantados em português, os pontos de Umbanda permanecem também na língua original.

“O caboclo pode falar alemão, seja da Alemanha, seja Suíça, ou cantar em português com sotaque, evocando seus paganismos perdidos pelos traumas das guerras na Europa, em especial na Alemanha”, conclui Bahia. “Espíritos criativos, adaptações e improvisos fazem parte da transnacionalização religiosa.”

Essa transposição de cultos afro-brasileiros para terras germânicas cria dificuldades extras para a adesão do estrangeiro, em particular no caso do Candomblé, com rituais em três línguas (português, iorubá e alemão). Os brasileiros que falam bem as três línguas traduzem o que o Caboclo diz, os alemães “entendem” e respondem em alemão, e o Caboclo revida em um português arcaico próprio dos espíritos que evocam indígenas brasileiros.


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Fonte: Estadão

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