Susana Bragatto
Você não leu errado: tem gente querendo acabar com a menopausa.
Não vamos mentir que a gente não sonha. Gente, não sejamos hipócritas. Todo mundo quer vitalidade, libido, força física, juventude, ausência de dores-calores-des-humores, cantar forevis young junto com a Vani. O sonho da juventude eterna é universal e antiquíssimo etc.
Mas a verdade (por ora) inexorável, a Ordem Natural das Coisas é: envelhecemos. Padecemos. Morremos.
Mas, enquanto batalhamos por mais diálogo e compreensão da menopausa e a vida pós-menopausa — inclusive, tema dessa coluna –, alguns alimentam o sonho de acabar de vez com essa etapa ou, pelo menos, atrasar sua chegada.
Menopausa ‘opcional’
Um exemplo é a empresa de health tech americana Oviva, que vem trabalhando no desenvolvimento de uma possível vacina contra (!) a menopausa.
O objetivo dessa nova terapia “antimenopausa” (!!) foi assim apresentado pela fundadora da Oviva Daisy Robinton numa conferência sobre longevidade na Flórida em 2024: “preservar a função ovariana por mais tempo para que possamos estender a expectativa de vida saudável das mulheres e tornar a menopausa algo opcional”.
Menopausa opcional…!!!
Na prática, no futuro, uma mulher em idade reprodutiva poderia atrasar ou evitar a menopa tomando uma injeçãozinha a cada poucos meses. Essa terapia poderia inclusive começar anos antes do climatério.
A lógica passa por utilizar o hormônio Anti-Mülleriano (HAM ou AMH, da sigla em inglês) para a tarefa.
Quem fez tratamento de fertilização in vitro sabe: essa glicoproteína é um dos marcadores mais importantes da reserva ovariana, ou seja, dos óvulos disponíveis para fertilização.
Quanto mais HAM, mais óvulos são “protegidos” a cada ciclo e, em teoria, mais chance temos de engravidar — e, dizem os da Oviva, mais economizamos para o futuro.
O fato de que os óvulos percam qualidade com o tempo, segundo o biólogo molecular David Pépin, co-fundador e chefe da pesquisa da empresa, não deveria impactar o resultado benéfico esperado da tal vacina: teríamos de qualquer forma mais anos de atividade ovárica e, portanto, de boa saúde hormonal.
O declínio do HAM pode começar a partir dos 20-30 anos, e é um dos principais indícios do envelhecimento folicular que, no limite, nos leva à menopausa.
“Como Benjamin Button”
Segundo Pépin, a ideia de utilizar o hormônio para criar uma vacina que prevenisse ou atrasasse a menopa aconteceu anos atrás, por acaso, durante um estudo sobre um possível tratamento para câncer de ovário conduzido pela sua equipe.
Ao inocular as ratinhas com câncer com o anti-mülleriano, ele descobriu que pouco a pouco seus ovários iam voltando no tempo e ficavam tinindo de novos.
“Foi basicamente Benjamin Button, indo pra trás”, disse.
A juventude em uma pílula
A Oviva está longe de ser a única frente a perseguir uma “cura” (meeeo deooos, que estou dizendo) para a menopausa; no momento, uma equipe de cientistas na Universidade de Columbia, em Nova York, está realizando ensaios clínicos com a rapamicina, uma droga imunossupressora utilizada para prevenir rejeição em transplantes de órgãos.
Os primeiros resultados indicam que a rapamicina poderia reduzir o envelhecimento ovárico em até 20%, atuando de forma similar à ‘vacina’ em desenvolvimento pela Oviva, isto é, diminuindo a perda ovárica por mês e, portanto, mantendo nossos ovinhos por mais tempo. Resumindo, atrasando nossa menopa.
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Deixemos de lado por um momento a grandiosíssima e complexa questão moral científica filosófica existencial da poha que tudo isso suscita (tipo, menopa agora é doença? oi? humanidade, vamo por aí mesmo e não tem volta? não aceitamos o fim? quem terá acesso a isso? e os riscos a longo prazo?) e avaliemos alguns aspectos ‘positivos’ defendidos pela turma do Fora Menopa.
Os hormônios produzidos pelos ovários não só são fundamentais para a nossa vida reprodutiva; também impactam uma série de aspectos da nossa saúde como mulheres, do cérebro aos ossos, passando por músculos e risco cardiovascular.
Nesse sentido, retardar o envelhecimento ovárico poderia ser, como a terapia de reposição hormonal (TRH), uma ferramenta importante na manutenção de nossa saúde a longo prazo.
Em relação à TRH, aliás, a diferença crucial (ou esperança incipiente) dessa nova abordagem é que poderia trazer um efeito ainda mais benéfico, duradouro e integral, já que se manteria a atividade ovariana por mais tempo, algo que a TRH não faz.
Como define Yousin Suh, uma das coordenadoras da pesquisa da Columbia com a rapamicina, “os ovários conferem importantes benefícios à saúde das mulheres, que vão muito além de serem apenas uma fonte de óvulos”.
“A função ovariana parece proteger contra demência e Alzheimer, doenças cardíacas, derrames e até mesmo mortalidade por todas as causas. A esperança é que, ao retardar o envelhecimento ovariano com uma pílula segura e barata, possamos prolongar a saúde e a expectativa de vida das mulheres”, diz.
Tem gente graúda acreditando seriamente nessa via como um dos graals a perseguir no campo da longevidade e saúde femininas.
Por exemplo, o próprio governo norte-americano tem um programa de financiamento na área de saúde chamado ARPA-H que inclui, como uma das principais linhas de subvenção, projetos que “priorizam a saúde ovárica na meia-idade para prevenir doenças”.
O interesse espelha a posição do governo, traduzido pela diretora da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada para a Saúde, Renee Wegrzyn: os ovários são “o único órgão humano que nós aceitamos que falhará um dia; é na realidade bizarro que simplesmente aceitemos isto”.
Enquanto nós, aqui na Terra terráquea, conversamos sobre aceitar nossos medos sobre um processo inevitável de envelhecimento fisiológico (e buscamos empoderamento em todas as nossas fases e facetas), o interesse crescente no tema é claro indício de que tem gente acreditando MUITO na proposta de nos deixar ovarianamente jovens — quem sabe, para sempre.
Você toparia? O que acha? Quero saber.
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