Por: Adriana Fernandes
A recuperação de dívidas dos empregadores com o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) de trabalhadores bateu, em setembro, pela primeira vez a marca de R$ 1 bilhão.
O dinheiro recuperado pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) em 2024 até 30 de setembro chegou a R$ 1,27 bilhão, quase o dobro de tudo que foi arrecadado no ano passado.
Há uma década, a recuperação desses valores não passava de R$ 224 milhões ao ano. O estoque das dívidas do FGTS está hoje em cerca de R$ 50 bilhões. Entre elas, dívidas contraídas há 30 anos.
Os valores recuperados são repassados diretamente para a conta do FGTS dos trabalhadores. Muitos deles descobrem somente na hora da rescisão do contrato de trabalho que o empregador (empresas e pessoas físicas) não tinha depositado o valor do fundo.
A recuperação do FGTS inclui também casos de trabalhadores que estão com contrato de trabalho ativo, mas cujo empregador não fez o depósito para o fundo.
O FGTS foi criado justamente com o objetivo de proteger quem é demitido sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho.
No início de cada mês, os empregadores são obrigados a depositar em contas abertas na Caixa Econômica Federal, em nome dos empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário.
“Nunca antes a gente tinha conseguido arrecadar R$ 1 bilhão”, diz o coordenador-geral da Dívida Ativa da União e do FGTS da PGFN, Theo Lucas Borges de Lima Dias.
Para ele, chegar a essa marca é simbólico pela natureza dessas dívidas: pessoas que na maioria das vezes, em um momento difícil da vida da perda do emprego, não tiveram acesso ao seguro do fundo. “São créditos que nos aquecem mais o coração”, diz.
O procurador afirma que muitos trabalhadores desconhecem, mas a legislação conferiu à PGFN a função de cobrar e gerir a dívida ativa do FGTS. A dívida ativa são créditos não pagos pelos responsáveis na forma e prazo estabelecidos em lei, permitindo que haja a cobrança administrativa e judicial.
A recuperação acelerou com o uso do mecanismo da chamada transação tributária, criado em 2020 e que permite a negociação do débito com a PGFN mediante desconto e prazo maior de pagamento.
“A gente credita boa parte desse R$ 1 bilhão ao sucesso da transação”, diz. No caso do FGTS, há uma peculiaridade. O trabalhador recebe 100% do valor devido, inclusive os encargos com juro e mora.
“Nenhum desconto é dado sobre o que é devido ao trabalhador”, explica.
Segundo o coordenador, a União abre mão da sua parte de juros e encargos legais da contribuição social (adicional de 10% da multa pago à União). Já o fundo abre mão de receber os juros e encargos.
Uma negociação recente envolveu o FGTS devido pelo estado de Minas Gerais a cerca de 40 mil professores. A Justiça determinou que o estado pagasse a FGTS para alguns trabalhadores da Secretaria de Educação, e o governo mineiro não havia feito o depósito. Esses professores foram contratados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“O Supremo determinou que, enquanto eles forem celetistas, teriam direito ao FGTS, e o Estado não pagou. A dívida foi crescendo. Muitos desses professores entraram na Justiça para cobrar o dinheiro”, conta Dias.
Após atingir a marca de R$ 1 bilhão, a PGFN avalia que há espaço para aumentar a recuperação das dívidas do FGTS até o final de 2024 e nos próximos anos. Segundo ele, a Procuradoria pretende dar ao FGTS um ritmo de recuperação ainda mais ousado, com novos instrumentos de cobrança, para garantir que quem tem direito receba o valor devido.
Os principais devedores do FGTS são empresas de todos os tipos e tamanhos. Muitas delas são negócios que estão perto de quebrar. Há também casos de empresas cujos proprietários fazem ocultação patrimonial para não pagar o que devem, colocando bens em nome de terceiros, e também os chamados devedores ocasionais, que esqueceram de recolher o dinheiro para o fundo.
“As técnicas de não pagamento são iguais para o FGTS, as dívidas com União e no setor privado”, afirma o coordenador.
ENTENDA
Mensagens diretas
A partir de 2025, a PGFN vai ativamente procurar o trabalhador beneficiado pela recuperação dos créditos do FGTS. É quando a procuradoria vai concluir o processo de transferência dos sistemas de cobrança das dívidas do FGTS, que estão hoje na Caixa. Hoje, a dívida ativa do FGTS roda em sistemas do banco. A PGFN revogou parte da delegação que havia feito à Caixa para fazer execuções fiscais.
Com isso, a procuradoria poderá individualmente o nome dos segurados e disparar mensagens diretamente para os trabalhadores avisando que a dívida foi recuperada e o crédito começará a ser pago. Sem a transferência, a PGFN hoje não consegue identificar o número exato de trabalhadores que vão receber o FGTS devido.
Prioridade na Fila
O crédito do FGTS é pago antes do que é devido à União em qualquer hipótese, se a empresa quebrou ou não. O FGTS entra primeiro na fila, depois as dívidas com a União.
Empregadores pessoas físicas
Empregadores pessoas físicas de trabalhadores domésticos também podem fazer a transação tributária do FGTS que não foi pago.
Cadin
O devedor do FGTS obrigatoriamente tem que estar no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal). Quem deve ao FGTS está proibido de fazer contratos, convênios ou receber empréstimos subsidiados da União. Para ficar fora da lista, o empregador terá que negociar a dívida com a PGFN. O empregador não recebe a certidão de regularidade do FGTS, que é um requisito para participar da licitação e tomar empréstimo de banco público.
Cobrança pelo trabalhador
Muitos trabalhadores desconhecem que a PGFN faz a cobrança do FGTS que não foi pago. Mas o trabalhador conserva para si o direito de sozinho cobrar o seu FGTS na Justiça. Ou seja, a atividade da PGFN não impede o trabalhador de ir ele mesmo cobrar do seu empregador na Justiça do Trabalho. De modo geral, os advogados públicos federais têm mais instrumentos dados pela lei para fazer uma cobrança muito mais efetiva.
Acompanhamento permanente
O trabalhador com carteira assinada deve conferir mensalmente os depósitos que são feitos na sua conta no FGTS. Ele pode denunciar na Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, no Sindicato e na Superintendência Regional do Trabalho e na Justiça do trabalho. Antes de buscar esses caminhos, é importante entrar em contato com a empresa para cobrar os depósitos dos valores atrasados.