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28/04/2025

O casamento e o limite de amigos – 27/04/2025 – Haja Vista

Filipe Oliveira

Afeto não se mede, cada amizade tem sua forma, momento e lugar. Não dá para comparar um amigo novo com o antigo, um que aparece toda a semana com aquele que mora longe, mas faz questão de todo ano aparecer no aniversário. São relações que tem valor igual e compartilham um espaço infinito em nossos corações. Vou além: o afeto, a troca de experiências e a lealdade de um amigo só nos fazem bem. É uma dinâmica livre do ciúme e da competição. Quanto mais, melhor.

Acreditava alegremente nisso tudo, Até chegar a hora de fazer uma lista de casamento.

Logo na primeira contagem mental de quem queríamos chamar já acendeu o sinal amarelo de overbooking. contabilizamos parentes, amigos do trabalho atual, do anterior, da faculdade, da corrida, da academia, da vizinhança e do jardim de infância e logo vimos que não haveria nem comida nem mesa ou cadeira para todo mundo.

Voltamos ao mapa do salão de festas, pensamos em trocar mesas por sofás ou até propor um rodízio de cadeiras, em vez de comida, ou deixar alguns convidados comendo seus petiscos em pé. Mas não houve remédio. Foi preciso colocar amizades na balança. Meu amigo que dormia em casa e ficava jogando vídeo-game madrugada adentro na juventude versus o colega que sempre lembra de mim e arranja uns frilas de final de semana.

Busquei justiça e objetividade e engenhosamente montei um um teste à la Revista Capricho dos anos 2000, em que cada candidato a convidado ganharia uma pontuação dependendo de diferentes aspectos de nossa relação. O regulamento previa que, após isso, seria feito um ranking e os primeiros colocados estariam dentro. Tempo de amizade, frequência do encontro, se também se dava bem com minha noiva, se vibrou quando soube de nossa união estavam em nossa avaliação.

Um dos testes de maior peso era o do cafezinho. Quem destes candidatos a convidados estiveram comigo no último ano para um almoço, jantar, café ou qualquer outra atividade espontânea, fora de lugares em que íamos por obrigação ou por fazer parte de uma rotina compartilhada? Marcar ponto neste era nome na lista praticamente garantido. Afinal, se faz questão de estar com a gente, está dentro.

Mas e aquele amigo de infância que compartilhou a juventude toda, ia no cinema junto, sabia dos principais segredos, vivia em casa e, de repente, casou, teve filhos e fiquei sabendo pelo Instagram? Passada a frustração pela amizade ter esfriado sem eu saber como, ao ponto de eu nem entrar em sua lista? Bem que eu queria aproveitar a ocasião para acordar aquelas memórias.

Mas o pessoal que tem a saudade a seu favor enfrenta a galera que resolveu aparecer na nossa vida no mês passado e de repente percebemos que tinha tudo a ver. Aquela moça do grupo voluntário de corrida que agora guia a mim e minha noiva, ambos cegos, nas corridas de rua. Como é gentil, atenciosa, gosta da gente, pergunta que música vai tocar na cerimônia. Coloca ela na lista, depois a gente dá um jeito! Aliás, não enxergar tem essa contraindicação. Muitas pessoas boas se aproximam da gente para oferecer um apoio e logo já nos afeiçoamos e queremos que venham em casa comer uma pizza.

Mas houve uma avaliação que produziu um resultado inquestionável. O teste do “Amigo é para essas coisas”. Quem, mesmo que não aparecesse na hora da diversão, iria estar do meu lado se eu estivesse em apuros? A quem eu chamaria se um familiar estivesse doente? Quem iria me visitar no hospital? Ligaria todo o dia se eu estivesse deprimido até eu melhorar? Quem foi bem nessa foi promovido imediatamente a padrinho e madrinha, porque esses são de contar nos dedos

No fim, não houve saída a não ser deixar uma lista de espera. Não é uma alegria, mas será ao menos um consolo. A cada desistência de alguém que não poderá ir, uma nova chance de resgatar aquele camarada que cabe no coração, mas não temos onde colocar no salão.


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Fonte: Folha UOL

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