Sandro Macedo
Na recente cerimônia do SAG Awards, Demi Moore foi aplaudida de pé ao ser anunciada como melhor atriz, por seu trabalho em “A Substância“, de Coralie Fargeat —mais um relevante troféu em sua irretocável temporada de premiações.
Pouca coisa indicava que isso poderia acontecer há 40 anos. Em 1985, Demi Moore já tinha uns quatro ou cinco filmes no portfólio, mas nada que fizesse tremer o LinkedIn da época ou que provocasse o brilho nos olhinhos de algum executivo de Hollywood.
Entre seus títulos até então figuravam obras como “O Parasita” (1982) —um terror B que não entrou para a história nem do subgênero terror B— e “Feitiço do Rio” (1984), no qual interpretava a filha do protagonista Michael Caine, que tinha uma aventura romântica no Rio de Janeiro com a filha de seu parceiro de negócios —Caine gostava de viajar.
Mas foi naquele ano que a jovem atriz de 22 anos fez o filme que deu um novo rumo para a sua carreira: “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas”, título que, em português, não deixa de ser sugestivo olhando em retrospecto.
O filme de Joel Schumacher acompanhava um grupo de sete amigos, jovens recém-saídos da faculdade, que tentavam equilibrar relações afetivas e festas enquanto enfrentavam os desafios da nova vida adulta.
Difícil definir um personagem principal. Kirby (Emilio Estevez) fazia o recém-formado em direito que trabalhava como garçom no St. Elmo’s Bar, o ponto de encontro da turma (e que empresta o nome para o título original, “St. Elmo’s Fire”). Billy (Rob Lowe) é o saxofonista da banda da semana, que reluta em procurar um emprego mais rentável agora que também é marido e pai. Kevin (Andrew McCarthy) é o jornalista com uma paixão reprimida por Leslie (Ally Sheedy), a arquiteta noiva de Alec (Judd Nelson), um típico yuppie com aspirações políticas. A doce e sem graça Wendy (Mare Winningham) trabalha como assistente social.
E quem completa o septeto é Jules (Demi Moore), a alma da festa, de qualquer festa, que diz estar envolvida com um banqueiro mais velho.
Isolado do contexto da época, “O Primeiro Ano…” não sobreviveria a uma revisão. Mal sobreviveu na primeira passagem pelos cinemas.
Foi considerado apenas um drama superficial pela crítica, descrito por alguém como uma sitcom sem piadas. Nas bilheterias, teve bom desempenho, arrecadando US$ 37,8 milhões —quase quadruplicando seu orçamento, estimado em US$ 10 milhões.
No entanto, a importância do longa está intrinsecamente ligada com a cultura pop dos anos 1980, e Demi foi uma das estrelas que soube surfar a onda. Naquela época, Hollywood descobriu a relevância da faixa de consumidores adolescentes. Filmes com personagens teens (mesmo que o RG do ator indicasse o contrário) e jovens adultos passaram a ser o filão da vez.
Títulos como “Negócio Arriscado” (1983), com Tom Cruise, “Karatê Kid” (1984), com Ralph Macchio, e “De Volta para o Futuro” (1985), foram grandes sucessos.
O diretor John Hughes era visto como o cara, que sabia como ninguém levar às telas as comédias e angústias daquela geração. No início de 1985, Hughes lançou o sucesso cult “Clube dos Cinco”.
Três dos atores do filme de Hughes estrearam meses depois em “O Primeiro Ano…”, recomendados por ele: Emilio Estevez, Judd Nelson e Ally Sheedy.
A turma de atores dos dois filmes serviu de base para o artigo que falava com certo sarcasmo das novas estrelas teens, apelidando o grupo de “Brat Pack” (algo como “bando de pirralhos”).
Se Estevez, Nelson e Sheedy foram escolhas mais fáceis para compor o elenco, Schumacher teve que brigar para aceitarem Demi Moore. Reza a lenda que ele a viu andando em um corredor no estúdio e pediu a um colega que corresse atrás dela para descobrir se ela era atriz.
O papel de Jules já havia sido oferecido, e recusado, a nomes com certo prestígio, como Jodie Foster, Jennifer Beals e Tatum O’Neal.
Demi, que já tinha problemas com drogas quando foi escalada, chegou a ser mandada embora do set por Schumacher em um dia, por chegar muito chapada. Ainda durante as filmagens ela passou a ter acompanhamento e a fazer um tratamento contra o vício.
O sucesso comercial do filme e o fim do abuso com drogas e álcool colocou a carreira de Demi no trilho. Logo no ano seguinte, voltou a contracenar com Lowe em “Sobre Ontem à Noite”, filme que lhe rendeu alguns elogios e mostrou seu sex appeal.
Mais alguns títulos esquecíveis e a atriz protagonizou o grande sucesso “Ghost – Do Outro Lado da Vida” (1990), no qual ela é mais lembrada pela icônica cena de sexo com Patrick Swayze ao som de “Unchained Melody”.
Talvez ela já tivesse ouvido àquela altura que era “uma atriz de filme pipoca”, como lembrou no discurso após receber o Globo de Ouro neste ano.
Mas Demi aparentemente não se aborreceu com o comentário, pelo contrário. Abraçou o filme pipoca nos anos 1990 e parecia sair ilesa mesmo dos fiascos. Foram os anos de “Proposta Indecente” (1993) e “Assédio Sexual” (1994).
Em um período em que poucas mulheres mostravam poder em Hollywood, ela foi a primeira a receber um cachê de US$ 10 milhões. E com a bomba “Striptease” (1996) igualou os salários dos heróis de ação, US$ 12,5 milhões —seu corpo definido finalmente alcançou o status dos astros musculosos. Mas nem todas as suas curvas exibidas na tela foram capazes de salvar o longa.
No ano seguinte, voltou a dominar o noticiário, e não só o cinematográfico, no papel de uma tenente que entra no rigoroso programa de treinamento de um grupo de elite da Marinha. Era o fim dos anos 1990 com mais músculos e mais um fracasso comercial.
Após um papel de coadjuvante em “As Panteras 2” (2003), as grandes produções viraram a cara para a atriz.
Com “A Substância”, aos 62 anos, finalmente Demi Moore recebe o reconhecimento de seus pares e da crítica por suas qualidades dramáticas. Depois de 40 anos de muita pipoca.