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29/04/2025

Saída de cientista do NIH e a ciência dos EUA sob censura – 29/04/2025 – Bruno Gualano

Em minha última coluna, comentei sobre um recente estudo que investigou os efeitos de um alimento ultraprocessado (milkshake) na ativação cerebral de dopamina —um mecanismo clássico de recompensa, super estimulado por drogas de abuso. O trabalho foi conduzido por cientistas afiliados ao National Institutes of Health (NIH), a principal agência financiadora de pesquisa biomédica do mundo, vinculada ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.

A hipótese de que a ingestão do ultraprocessado produziria uma elevada ativação dopaminérgica não se mostrou verdadeira ante os resultados. Consequentemente, os autores concluíram que um suposto vício nesse tipo de alimento não poderia ser explicado por tal mecanismo. Uma mensagem suficientemente clara, que abre novos caminhos para compreender por que muitas pessoas têm dificuldade em controlar o consumo de produtos ricos em açúcar, gordura e aditivos cosméticos. As limitações do trabalho foram devidamente expostas e discutidas. As conclusões se ativeram aos achados, sem nenhuma extrapolação indevida. Tudo como manda o figurino da boa ciência.

Eis que, em 16 de abril, Kevin Hall, principal autor do referido trabalho e um dos mais proeminentes líderes de pesquisa em nutrição e metabolismo do NIH, anunciou seu desligamento da agência.

Em entrevista ao The New York Times, Hall alega ter sido proibido por agentes federais de falar livremente com jornalistas sobre o estudo, o qual contestaria a crença do secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., sobre a natureza viciante dos ultraprocessados.

O cientista também revelou que, meses antes, funcionários do NIH também o proibiram de assinar uma revisão científica inédita sobre esse tipo de alimento, escrita em colaboração com outros autores. Isso porque o trabalho fazia menção à “equidade em saúde”, em reconhecimento ao fato de que algumas pessoas nos EUA não têm acesso a alimentos saudáveis. A suspeita é que essa discussão não estivesse alinhada com a turva visão da administração Trump sobre “diversidade, equidade e inclusão”. Hall teria sido avisado que, se quisesse permanecer no artigo, a seção precisaria ser modificada. Ele, então, viu-se forçado a abdicar da autoria —situação inédita em sua carreira de 21 anos no governo.

“Vivenciamos o que equivale a censura e controle da divulgação de nossa ciência”, disse Hall. O cientista receava que, se permanecesse no cargo, os funcionários também pudessem interferir no planejamento e execução de seus estudos: “Isso faria com que eu odiasse meu trabalho todos os dias.”

Talvez Robert F. Kennedy Jr. e seu séquito não saibam, mas o curioso é que Kevin Hall está bem distante de ser um entusiasta dos ultraprocessados. Em 2019, ele e sua equipe publicaram o primeiro ensaio clínico a demonstrar que, comparadas a pessoas que seguiam uma dieta rica em alimentos in natura, aquelas expostas a refeições ultraprocessadas consumiam cerca de 500 calorias a mais por dia e ganhavam, em média, 1 kg de peso num espaço de 2 semanas. O estudo foi considerado peça-chave no estabelecimento da causalidade entre o processamento dos alimentos e a obesidade.

Em 2022, Hall passou a investigar uma das maiores questões do campo da nutrição: o que exatamente torna os alimentos ultraprocessados tão fáceis de serem consumidos em excesso? O receio da comunidade científica é que o repentino afastamento do pesquisador produza a interrupção da pesquisa, retardando políticas mais eficazes de combate à obesidade.

A ciência não é dogmática. As hipóteses sobre as quais se constrói o conhecimento são contingentes e falseáveis. Uma consequência desses pressupostos epistêmicos é que não há verdade absoluta. Tal coisa só existe na cabeça de conspiracionistas e irracionais. Mau sinal quando eles estão no comando do mais importante órgão global de fomento à ciência da saúde.


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Fonte: Folha UOL

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