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29/04/2025

Selo Caquí lança Marés e fortalece a cena do Norte – 29/04/2025 – Sons da Perifa

Jairo Malta

Está acontecendo no Pará — e não é a COP30. Enquanto o governo federal tenta montar um evento climático cercado de contradições (como as árvores de plástico e esgotos a céu aberto), uma outra movimentação real, pulsante e organizada vem das bordas de Belém: o lançamento da coletânea “Marés”, pelo selo Caquí. Um disco com dez faixas que escancara o que muita gente no Sudeste ainda não entendeu — o Norte não está esperando ser incluído, está se autoeditando.

O projeto nasce no meio de uma cena em ebulição. Belém, segundo dados levantados pelo Mapa da Nova Música Brasileira, é uma das cidades que mais lançou artistas independentes nos últimos cinco anos. A maioria fora dos holofotes, mas dentro da lógica de guerrilha cultural: estúdios caseiros, redes de afeto e distribuição digital. “Marés”, nesse sentido, é um reflexo disso — uma tentativa de registrar, tensionar e circular uma produção musical que não cabe no rótulo “regional”. O álbum vai do carimbó ao tecnobrega, mas também passa por R&B, rock sujo e ambiências eletrônicas.

Produzido por Pratagy e Reiner, o disco é um ponto de convergência entre artistas pretos, periféricos, LGBTQIAPN+ e do interior da Amazônia urbana. Nomes como Sidiane Nunes, W Mateu-U, Paulyanne Paes, Agarby, Mist Kupp e o duo COUT constroem uma narrativa que é, ao mesmo tempo, coletiva e de ruptura. Em “Mana”, o carimbó se mistura ao pajubá de travestis do grupo Batuque da Lua Crescente. Em “Urano”, a referência vai de Cassiano a Caetano, mas com beats arranhados e climas quase de ficção científica. Nada disso é acidental. Há um projeto político por trás da sonoridade: deslocar o centro da escuta, hackear a ideia de brasilidade e reconfigurar o circuito de visibilidade.

O curioso é que, apesar da qualidade do disco e da força dos nomes envolvidos, “Marés” dificilmente aparecerá em playlists como “Indie Brasil” ou “Novo MPB”. Dados recentes do relatório Música e Desigualdade, da UFRJ, mostram que apenas 1,9% dos artistas presentes nas listas editoriais das grandes plataformas são da Região Norte. O problema não é técnico nem estético — é estrutural. O mercado da música no Brasil ainda opera sob uma lógica colonial, que transforma sotaques em nicho e corpos periféricos em modismo.

Por isso “Marés” incomoda. Porque não se oferece como “descoberta”, mas como território. Os próprios artistas participaram da curadoria, dos arranjos, da capa, da direção de arte. Há uma consciência de processo e de propósito que vai na contramão do imediatismo algorítmico. E isso se estende para além do som: o disco terá versões em vinil e fita K7, além de um filme dirigido por Anna Suav — artista visual que vem documentando, sem folclore, a vida real da juventude amazônica queer e preta.

Enquanto o governo fala em tornar Belém uma “capital verde”, a cena musical local já é um exemplo concreto de sustentabilidade cultural. Sem grandes incentivos, sem apoio de festivais tradicionais, sem ser capa da Folha. Os artistas seguem fazendo. E fazendo bem. Talvez porque saibam que o Norte nunca foi ausência — foi silenciamento. E agora, com ou sem COP, é hora de fazer barulho.


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Fonte: Folha UOL

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