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05/02/2025

Ruy Cortez traz Tchékhov original ao Sesc Consolação – 30/01/2025 – Mise-en-scène

Dizem que em clássicos não se mexe, e o diretor Ruy Cortez resolveu ir além dessa máxima e encenar “O Jardim das Cerejeiras”, um verdadeiro clássico de Anton Tchékhov, em sua versão integral e original concebida pelo dramaturgo em 1903, fazendo, digamos assim, uma reparação histórica. O teatrólogo Constantin Stanislavski (1863-1938), responsável pela primeira montagem, não gostou da última cena do segundo ato e achou por bem suprimi-la.

Mas agora o público tem a chance de ver a versão inicial e sem corte na brilhante exibição da Cia. da Memória, em cartaz no Sesc Consolação, que traz como diferencial o espaço cênico criado por André Cortez que incorpora a arquitetura do teatro Anchieta e se derrama pela plateia, tornando-se assim mais um protagonista do espetáculo. A estrutura amplifica a comunicação estabelecida em cena com o público, fazendo desse, parceiro dos personagens nas diferentes situações vividas durante a apresentação.

“O Jardim das Cerejeiras” retrata as mudanças sociais da Rússia do final do século 19 por meio da história de uma família aristocrática às voltas com a possível perda de seu icônico jardim. O elenco de 14 atores de gerações e correntes dramáticas distintas, atua em perfeita sintonia formando um coletivo rico e diverso para contar a saga desse clã com personagens vigorosos e ávidos pela vida. Seus sentimentos aflorados os levam a dramatizar os mínimos eventos e, por isso, entram em atrito o tempo todo.

O embate entre Liuba e Pétia Trofímov — Sandra Corveloni e João Vasco, formidáveis — é um dos mais interessantes da peça, pois representa o choque entre duas gerações e duas visões de mundo completamente discordantes. A aristocrata alquebrada, apegada ao passado e incapaz de aceitar mudanças, Liuba representa a nostalgia por um modo de vida que já não existe mais. Já Pétia, um jovem idealista e revolucionário, busca um futuro melhor e acredita na necessidade de transformações radicais. Com suas ideias progressistas e aspirações de um mundo mais justo, ele representa as novas gerações.

Esse confronto se dá em diversos níveis — visão de futuro, valores, relação com a propriedade e bens materiais — e é um microcosmo dos conflitos sociais da época, além de refletir a dinâmica de autoridade dentro da família e da sociedade em geral. Nada mais atual.

Sem colocar o espectador na posição de juiz, Ruy Cortez e os atores da Cia. da Memória apenas nos conduzem a refletir sobre as dores do mundo e a impermanência da existência humana, e, apesar da melancolia retratada pelas perdas e esperanças frustradas, a profundidade de emoções vistas em cena, fazem dessa montagem uma das mais belas já feitas.

Três perguntas para…

… Sandra Corveloni

Essa montagem de “O Jardim das Cerejeiras” reúne um elenco grande para os padrões atuais das encenações. Como foi a experiência de trabalhar com a Cia. da Memória?

Foi muito interessante, gosto muito de trabalhar com um elenco grande porque a minha história é assim. Fiz muitas coisas no Grupo Tapa e na maioria das vezes o elenco era bem numeroso. Fazia tempo que eu não trabalhava com um grupo assim tão grande e acho muito legal a peça ser contada por várias pessoas. O Ruy [Cortez] foi costurando esses acontecimentos, esses fragmentos que foram aos poucos sendo bordados na nossa trajetória de ensaios. Fizemos um trabalho de entendimento, de divisão de textos e impressões sobre todos os quatro atos, com muita cautela procurando entender cada coisa, discutindo, levantando possibilidades e material. E na troca com essa turma conseguimos muito material para colocar em cena. Então foi muito rico, e ainda está sendo uma delícia trabalhar com a Companhia. Muita gratidão por esse trabalho, por esse encontro.

A produção propõe uma experiência diferenciada ao utilizar uma passarela que atravessa a plateia. Como você descreveria a importância do cenário e do figurino para a construção da atmosfera da peça?

Desde o início tínhamos indicação desse espaço que seria um grande tablado meio passarela, meio rampa que chegaria até bem perto do público, indo até o meio do teatro. Então a gente já ensaiou pensando nesse espaço. Quando chegamos no teatro e aí já com a cenografia toda do André Cortez, com a rampa e os balões, tudo isso criou uma atmosfera que nos levava a um outro patamar. Me sinto envolvida por aquela floresta, por aquele jardim de árvores brancas ali representado pelos balões.

Interessante também que cada ato com as suas cores trazidas pelo [Fabio] Namatame, a música e os sons da Aline [Meyer], mais a luz do Wagner [Antônio] foi nos conduzindo para um ambiente, uma temperatura e uma textura diferentes. Apesar de a gente subir na mesma rampa e o tablado ser o mesmo, isso vai se modificando a cada ato.

Para mim, a rampa cria um espaço gigante de troca, de nos colocarmos como agentes de transformação de renovação. Tudo orquestrado desde o início para que a gente pudesse correr com segurança por essa plataforma e nos lançarmos neste espaço para contar essa história da melhor forma possível.

As peças de Tchékhov seguem sendo remontadas ao longo dos anos, atualmente “A Gaivota” (Cia. Bípede de Teatro Rupestre) também está em cartaz em São Paulo. Como você avalia a atualidade da obra do dramaturgo para o público de hoje?

Tchékhov é brilhante, genial. Se nós não soubéssemos nada sobre o contexto histórico e lêssemos alguns trechos de todas as obras dele, pareceria que estamos falando do agora. Ele trata de ecologia, desigualdade social, da falta de amor, da falta de escuta… Tem tudo a ver com o nosso tempo. Então acho que o Tchékhov se torna cada vez mais necessário. É urgente que isso esteja sendo levado à cena com frequência, porque é de uma qualidade dramatúrgica e de grande importância em diversas questões. Quanto mais você esmiúça esse texto com o objetivo de compreendê-lo, mais perto ele chega de nós, do comportamento humano, dos nossos pensamentos e fragilidades. É tão tão tão humano que chega a doer… nos identificamos não apenas pela genialidade, por ser tão teatral, mas é tão a gente…E quando esses textos são bem bem falados são colocados num lugar de proximidade é como um espelho. Então acho que é por isso que os textos são tão pungentes, tão importantes.

Sesc Consolação – r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, região central. Sex. e sáb., 20h. Dom., 18h. Sessões extras: 6 e 13/2, às 15h; 27/2, às 20h. Até 2/3. A partir de R$ 21, em sescsp.org.br e nas bilheterias das unidades.


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Fonte: Folha UOL

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