Segundo PF e CGU, associações descontaram ilegalmente R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões entre 2019 e 2024. Entidades prometiam serviços para os quais não tinham estrutura para oferecer.
A investigação foi revelada com a deflagração da Operação Sem Desconto, que cumpriu 211 mandados de busca e apreensão e outros seis de prisão temporária em 13 estados e no Distrito Federal.
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), sofre pressão. Ele foi alertado sobre a possível fraude em 2023, e reconheceu que houve demora do INSS para instalar uma auditoria sobre o caso, mas nega que tenha sido omisso.
Na quinta-feira, o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, disse que os convênios com as entidades investigadas foram interrompidos e que todos os aposentados e pensionistas que foram impactados pelos descontos irregulares serão ressarcidos.
Como ocorriam os descontos?
O esquema envolvia associações de classe que cobravam um valor de aposentados e pensionistas para a realização de serviços como assessoria jurídica ou convênios com academias e planos de saúde.
Esse dinheiro podia ser descontado diretamente da folha de pagamento dos beneficiários, desde que houvesse o consentimento explicito. Essas entidades também precisavam assinar um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS.
Uma Medida Provisória de 2019 tentou regulamentar o arranjo ao estabelecer uma revisão periódica dos descontos em vigor, mas o Congresso derrubou as normas em 2022, após pressão do setor.
Os descontos eram ilegais?
Em 2023, a CGU identificou o aumento na reclamação de débitos indevidos e abriu as investigações. O volume de recursos descontados saltou de R$ 617 milhões em 2019 para R$ 2,8 bilhões em 2024. A partir de junho do ano passado, a PF instaurou 12 inquéritos sobre o caso.
Os órgãos, então, descobriram que os descontos estavam sendo realizados sem a autorização das pessoas. Há indícios, inclusive, de falsificação de documentos para simular o aval.
A CGU conduziu 1,3 mil entrevistas com beneficiários, dos quais 97% confirmaram que nunca autorizaram as operações.Em alguns casos identificados pela PF, o mesmo aposentado chegou a ter descontos autorizados para mais de uma entidade no mesmo dia.
A Controladoria-Gerla também identificou municípios onde 60% dos aposentados cadastrados sofreram descontos irregulares.
Os órgãos estimam que os descontos somaram R$ 6,3 bilhões desde 2019, embora tenham esclarecido que nem todo esse montante era ilegal, porque uma parte contou com o aval dos segurados.
“Mas acho que dá para dizer com alguma tranquilidade, com base na auditoria da CGU, que a maioria deles não tinham autorizado esses descontos”, afirmou o ministro da CGU, Vinícius Marques.
“Em 2016, foram R$ 413 milhões; em 2017, R$ 460 milhões; em 2018, R$ 617 milhões; em 2019, R$ 604 milhões. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19, o valor caiu para R$ 510 milhões. Em 2021 foram descontados R$ 536 milhões. Em 2022, R$ 706 milhões. Em 2023, R$ 1,2 bilhão. E, no ano passado, R$ 2,8 bilhões”, detalhou o ministro.
Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o INSS recebeu 1,9 milhão de reclamações acerca de descontos indevidos, motivando o cancelamento dos descontos autodeclarados como não autorizados.
Dos 40,6 milhões de segurados da Previdência, cerca de seis milhões têm valores retidos pelas associações mensalmente, entre os quais 80% estão ligados às entidades investigadas.
Quais são as associações investigadas
As entidades investigadas não tinham sequer estrutura operacional para fornecer os serviços que ofereciam, de acordo com a PF e a CGU. Das 29 associações analisadas, 72% não havia nem entregue ao INSS a documentação necessária para o acordo que permitiram os descontos. Onze delas foram alvo de medidas judiciais e tiveram os contratos suspensos.
A CGU recomendou ao INSS o bloqueio cautela imediato da concessão de novas autorizações para os descontos, além do aprimoramento dos procedimentos relacionados ao fechamento desses acordos.
A PF e a CGU também apuram o envolvimento de servidores do INSS no esquema, para entender se o processo foi facilitado por funcionários da instituição. “Mas não temos como ficar antecipando nada para não comprometer as investigações”, disse Carvalho.
Quem operava o esquema
A Polícia Federal apontou a existência de um conluio entre as entidades investigadas para operar repasses a ex-diretores do INSS. Ao menos três ex-dirigentes do órgão teriam recebido mais de R$ 17 milhões por meio de intermediários, aponta a corporação: Virgílio Antônio, ex-procurador-geral, André Fidélis, ex-diretor de Benefícios, e Alexandre Guimarães, ex-diretor de Governança do INSS durante o governo Bolsonaro.
A investigação aponta que o esquema era operado por Antonio Carlos Antunes, conhecido como “Careca do INSS”. O lobista movimentou R$ 24,5 milhões em cerca de 5 meses, e era procurador com “plenos poderes” para representar algumas das entidades. Pessoas e empresas ligadas a ele receberam ao menos R$ 48 milhões das associações suspeitas.
Até o momento, 141 joias, mais de 60 veículos de luxo e R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo foram apreendidos na operação.
Como saber se é alvo de descontos
Segundo o Ministério da Previdência Social, os segurados podem consultar no extrato de benefícios se há algum tipo de desconto mensal. As operações podem ser bloqueadas pelo serviço “excluir mensalidade associativa”, disponível no site Meu INSS, aplicativo de celular ou pelo número de telefone 135.