Douglas Gavras
“Mengele entrou na República Argentina no dia 20 de junho de 1949, munido do passaporte nº 100.501, expedido pela Cruz Vermelha Internacional em nome de Gregor Helmut. Referências obtidas em diferentes setores da coletividade alemã permitiram conhecer que ele foi comandante das SS [a organização paramilitar nazista] e ao mesmo tempo médico no campo de extermínio alemão de Auschwitz”, narra o documento da Polícia Federal argentina, de junho de 1960.
A passagem faz parte de um dos arquivos que retratam a vida no país sul-americano do médico Josef Mengele, apelidado de “anjo da morte”, conhecido por ter realizado experimentos em prisioneiros. O governo de Javier Milei acaba de liberar o material para consulta pública online.
O material trata também de outros nazistas que fugiram para a América do Sul depois do Holocausto, como Adolf Eichmann (que seria capturado pelo serviço secreto israelense).
Desde a última segunda-feira (29), é possível acessar a documentação. O material é composto de 1.850 documentos organizados em sete diferentes arquivos, e foi compilado por um pedido ao governo da Argentina feito diretamente ao presidente pelo Centro Simon Wiesenthal, que investiga as ligações do sistema bancário suíço com o regime.
Parte desse arquivo já estava disponível para consulta na Argentina desde o governo de Carlos Menem (1989-1999), que retirou todas as restrições para consulta pública de informações relacionadas a criminosos nazistas. Mas o acesso podia ser feito apenas de forma presencial, em Buenos Aires.
Depois do pedido do Centro Wiesenthal, o Arquivo Geral da Argentina iniciou o processo de restauração, digitalização e descrição documental. O material agora está disponível para consulta no site da instituição.
“No fim de 1944, quando a derrota da Alemanha parecia inevitável, Mengele fugiu de Auschwitz com documentos falsos e acompanhado de sua amante, Wilma. Seu paradeiro é desconhecido até 1947”, narra um documento de 1985.
Além de descobrir detalhes sobre a entrada de Mengele no país, é possível ler sobre o período em que viveu com uma identidade falsa e mais tarde apresentou uma certidão de nascimento com seu nome verdadeiro.Também há diferentes registros de pessoas que conviveram com Mengele em suas casas, em Olivos e Vicente López (província de Buenos Aires), que os oficiais do serviço secreto descrevem como “belas e espaçosas”.
O serviço secreto argentino conta que ele temia ter o mesmo destino de Eichmann, e o material traz detalhes de como o médico nazista foi para o Paraguai, onde obteve a nacionalidade com ajuda da ditadura de Alfredo Stroessner, e se refugiou no Brasil, onde morreu em 1979.
Pelo material, também é possível consultar informações sobre a extradição do criminoso de guerra nazista Erich Priebke, preso em Bariloche em 1995 e extraditado para a Itália no ano seguinte. Priebke, responsável por um massacre que matou mais de 300 civis, morou por 40 anos na cidade. A expulsão de Priebke ocorreu durante o governo Menem, e é assinada pelo ex-procurador de Milei, Rodolfo Barra.
Além do material que conta as atividades dos nazistas no país, o governo argentino também disponibilizou 1.300 decretos presidenciais produzidos entre 1957 e 2005.
A documentação governamental abarca diferentes decisões, como a compra e venda de armas pelo governo de Isabelita Perón, determinações do serviço de inteligência do país e documentos sobre operações de combate a grupos de esquerda nas décadas de 1960 e 1970.