Papa Francisco
A vida tem, inevitavelmente, as próprias experiências dolorosas, que fazem parte de todo caminho de esperança e de conversão. Mas é preciso evitar, a todo custo, deixar-se levar pela melancolia; não se deve permitir que ela degenere o coração. Há uma tristeza que se torna “o prazer do não prazer” e se delicia com uma dor infinita, como a dependência de uma bala amarga, ruim, mas que continuamos a saborear. Há também uma espécie de sedução do desespero, muito presente na consciência masoquista contemporânea que, como no belo tango argentino intitulado “Barranca Abajo”, descendo o barranco, atrai-nos cada vez mais à medida que hesitamos e escorregamos. Alguns lutos prolongados indefinidamente, nos quais a pessoa continua a ampliar a espiral do vazio de quem já não está presente, não são próprios da vida no Espírito. Certos labirintos, nos quais nos perdemos de tanto olhar apenas para os pés, e algumas amarguras rancorosas, que fazem a pessoa sempre carregar uma reivindicação, talvez de início até legítima, mas que a leva a assumir eternamente o papel de vítima, não produzem uma vida saudável, menos ainda cristã. No fim, um cristão triste é sempre um triste cristão.
Essas são tentações às quais nem mesmo os consagrados estão imunes. Infelizmente acontece de encontrarmos os que são amargos, melancólicos, mais autoritários do que autorizados, mais “solteirões” do que casados com a Igreja, mais funcionários do que pastores, ou então mais superficiais do que alegres, o que também não é bom. Mas, de modo geral, nós, padres, temos uma propensão ao humor e
certa familiaridade com piadas e anedotas, das quais muitas vezes, além de objeto, somos bons contadores.
Inclusive os papas. João 23, cujo temperamento brincalhão era notável, durante um discurso disse mais ou menos o seguinte: “Com frequência me acontece de começar a pensar em uma série de problemas graves. Então tomo a decisão corajosa e resoluta de ir falar com o papa pela manhã. Depois, acordo todo suado e me lembro de que o papa sou eu”. Como o entendo… João Paulo 2º não ficava atrás. Nas reuniões preparatórias de um conclave, quando ainda era o cardeal Wojtyla, um colega mais velho e bastante rígido se aproximou dele com a intenção de criticá-lo porque ele esquiava, escalava montanhas, andava de bicicleta, nadava. “Não creio que sejam atividades adequadas ao seu papel”, confidenciou-lhe. Ao que o futuro papa respondeu: “Mas o senhor não sabia que na Polônia 50% dos cardeais praticam essas atividades?”. Na época, havia apenas dois cardeais na Polônia.
O humor é remédio não apenas para animar e iluminar os outros, mas também a si próprio, porque a autoironia é um poderoso instrumento para vencer a tentação do narcisismo. Os narcisistas se olham continuamente no espelho, pintam-se, tornam a se admirar, mas o melhor conselho diante de um espelho é sempre rir de si mesmo. É o que nos fará bem. É o que revela a verdade do antigo provérbio chinês, segundo o qual existem apenas dois homens perfeitos: um está morto e o outro ainda não nasceu. Saber rir de si mesmo é a condição para não afundar no ridículo, e do ridículo não se regressa. Se você quiser que riam com você amanhã, ria de você mesmo hoje.
A Igreja tem, informalmente, uma complexa série de categorizações de tiradas e piadas de acordo com as ordens, as congregações e as personalidades. Penso, por exemplo, na que me contou em um encontro no Vaticano o ex-arcebispo Welby, da Cantuária: “Sabe qual é a diferença entre um liturgista e um terrorista?”, perguntou-me. “Com o terrorista é possível negociar…” Ele me fez rir com gosto.
As piadas sobre jesuítas e de jesuítas, então, são um verdadeiro gênero à parte, talvez comparável apenas às de carabinieri na Itália ou de mães judias no humorismo iídiche.
Quanto ao perigo do narcisismo, contra o qual devemos nos prevenir com as devidas doses de autoironia, ocorre-me a anedota sobre um jesuíta vaidoso, que sofre de um problema cardíaco e precisa ser internado. Antes de entrar na sala de cirurgia, ele pergunta a Deus: “Senhor, minha hora chegou?”. “Não, você viverá pelo menos mais 40 anos”, responde Deus. Assim que se recupera, o jesuíta aproveita para fazer transplante capilar, lifting, lipoaspiração, pálpebras, dentes… Enfim, sai um homem completamente diferente. Mal põe os pés para fora do hospital, porém, é atropelado por um carro e morre. Ao se apresentar perante Deus, protesta: “Senhor, mas… não era para eu viver mais 40 anos?”. E Deus: “Ops, desculpe… não te reconheci…”.
Também me contaram outra que se refere diretamente a mim, a do papa Francisco nos Estados Unidos. É mais ou menos assim: tão logo desembarcou no aeroporto de Nova York para sua viagem apostólica, o papa Francisco era aguardado por uma enorme limusine. Ficou um pouco constrangido com aquele luxo, mas depois pensou que havia muito tempo que não dirigia, menos ainda um carro como aquele, e disse para si mesmo: tudo bem, sabe-se lá quando vou ter outra chance como essa. Olhou para a limusine e perguntou ao motorista: “Será que posso experimentar?”. E o motorista: “Lamento, Sua Santidade, mas não posso. Sabe como é, os procedimentos, o protocolo…”. Mas, como dizem, quando o papa põe uma coisa na cabeça… Enfim, ele tanto insistiu que o outro acabou cedendo. O papa Francisco se sentou, então, ao volante, em uma daquelas vias expressas enormes… E tomou gosto, começou a pisar no acelerador: 50 por hora, 80, 120… Até que ouviu uma sirene, e uma viatura da polícia emparelhou com o automóvel e o fez parar. Um jovem policial aproximou-se do vidro escurecido. O papa, um pouco intimidado, abaixou-o, e o motorista empalideceu. “Com licença”, disse o policial, voltando à viatura para chamar a central. “Boss… acho que estou com um problema.” E o chefe: “Que problema?”. “Bem, parei um carro por excesso de velocidade… mas nele está um sujeito muito importante.” “Importante quanto? É o prefeito?” “Não, chefe, mais do que o prefeito…” “Mais do que o prefeito? Quem é? O governador?” “Não, mais…” “O presidente?” “Acho que é mais…” “E quem pode ser mais importante do que o presidente?” “Veja, chefe, não sei direito quem é, mas só lhe digo que o papa é o motorista!”
O Evangelho aconselha que voltemos a ser como as crianças (Mt 18,5), para a nossa própria salvação. Desse modo, lembra-nos que devemos recuperar a capacidade delas de sorrir, que, para os psicólogos que se deram ao trabalho de contar, revela-se dez vezes maior que a dos adultos.
Hoje, nada me alegra mais do que encontrar as crianças: se de menino tive meus mestres do sorriso, agora que estou velho muitas vezes as crianças são as minhas mentoras. São os encontros que mais me emocionam e me fazem bem. Depois vêm as reuniões com os velhos: os idosos que abençoam a vida, pondo de lado todo ressentimento, e trazem a alegria do vinho, melhorando com o passar dos anos; são irresistíveis. Têm a graça do choro e do riso, como as crianças. Quando as abraço nas audiências na praça de São Pedro, na maioria das vezes as crianças sorriem; outras, ao contrário, ao me verem todo vestido de branco, acham que sou o médico que chegou para lhes dar uma injeção e choram. São campeãs de
espontaneidade e de humanidade; elas nos lembram que quem renuncia à própria humanidade renuncia a tudo, e que quando se torna difícil chorar com sentimento ou rir com entusiasmo é porque nosso declínio começou. Tornamo-nos anestesiados, e adultos anestesiados não fazem bem a si mesmos nem à sociedade, tampouco à Igreja.
O texto é um trecho do livro ‘Esperança: A Autobiografia’, lançado pelo selo Fontanar, do Grupo Companhia das Letras