Tem a saída à francesa: não dar tchau pra ninguém. Tem também, aprendi outro dia, com um amigo judeu, a saída à judaica: ficar dando tchau e não ir embora nunca. Segundo ele, pra um povo perseguido por tanto tempo e com mães especialistas em causar culpa, ficar ouvindo repetidamente “mas tão cedo?”, “fica mais um pouco!”, “nem conversamos direito!” é uma espécie de reparação emocional. (Disclaimer: esta crônica, ao citar o judaísmo, não fará nenhum comentário sobre a guerra, os atos atrozes do Hamas e a política de extermínio de Netanyahu. Meu amigo nasceu no Tatuapé, é corintiano, come arroz com feijão, trabalha com limpeza de caixas d’água e não tem nada a ver com os conflitos do Oriente Médio.)
Voltando ao tchau. Além da saída à francesa e à judaica, tem a pior de todas, a saída infinita: a do cidadão que se oferece pra te dar carona e não vai embora nunca. Você pega o celular pra chamar um Uber e a suposta boa alma diz —alto, pra outros ouvirem— “imagina, te levo!”. Basta você guardar o telefone no bolso, ele olha pro lado e fala pra uma turma: “ei, pessoal, sobre a viagem da Páscoa, vamos organizar as compras?”. Você tenta, com jeito, dizer que prefere chamar o Uber, não tem problema, tá tudo bem, mas o cara insiste: “de maneira nenhuma! Eu te levo!”. É você botar novamente o celular no bolso e: “então, pessoal, eu posso ir no Atacadão, vamos fazer a lista? Alguém aí é intolerante à lactose?”. Ele finge estar fazendo um favor a você, mas no fim você é que está fazendo um favor a ele, deixando-o posar de bom cidadão. Por essas e outras, sou contra o tchau.
O oi é fundamental. Quem não dá oi tá no mesmo círculo do inferno de quem destrata o garçom. Aquela olhadinha pro chão da pessoa que te conhece, vindo pela calçada, por preguiça de simplesmente erguer as sobrancelhas, levantar a mão e mandar um “opa!” é razão suficiente para ter a entrada barrada nas portas do céu.
Você tem que dar oi. Senão por educação, ao menos por interesse. Quando eu tinha uns 12 anos, entrei no prédio e não dei oi ao porteiro. Meu pai falou: “Meu filho, tem que dar oi pras pessoas. Primeiro, por respeito. Segundo: vai que alguém é assassinado aqui, interrogam os moradores, aí vão dizer: aquele adolescente do 142 era estranho. Fechado. Quieto. Entrava no prédio e não dava oi pra ninguém”.
Se o oi é um ato de respeito (ou autopreservação), o tchau costuma ser o auge da hipocrisia. Em poucas situações mente-se tanto quanto nas despedidas. “A próxima vai ser lá em casa!” “Precisamos nos ver de novo!” “Vamos tomar uma cerveja semana que vem?” “Segunda-feira eu te ligo pra falar desse projeto, mas tá tudo certo, vai rolar!”
Pensando bem, o tchau, disfarçado de simpatia, é um ato de puro egoísmo. Tipo: “olha, estou privando você agora da minha presença, lamento muito que sua vida vá seguir com esse buraco que deixo ao me ausentar. Te dou um abraço de consolo” —e ainda espera-se um comentário de lamentação. “Mas já?” “Tão cedo?”
Ou, pensando melhor, pode ser o contrário, o tchau pode ser um momento de fragilidade, em que você abre um flanco pra “claro, amanhã leio seu romance de 476 páginas!”, “claro, eu fico com seus três cachorros na viagem” ou, pior, dependendo da sua insegurança e do que você prometeu no momento, “marcado amanhã, às seis da matina, no Ibira, pra começar o treinamento pra São Silvestre!”. Poderia terminar essa crônica com um tchau. Não o farei.
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