27.3 C
Tarauacá
16/03/2025

o dia em que o Brasil acordou sem dinheiro


Na noite de 15 de março de 1990, os brasileiros foram dormir sem saber que ao acordarem estariam praticamente sem dinheiro. Na manhã seguinte, 16 de março, em pronunciamento transmitido para todo o País, o recém-empossado presidente Fernando Collor de Mello anunciou um plano econômico que mudaria a história do Brasil.

Com tom solene, resumiu a gravidade do momento: “Não temos mais alternativas. O Brasil não aceita mais derrotas. Agora, é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude.” O que viria a seguir pegaria milhões de brasileiros de surpresa.

Correntistas fazem fila em agência do banco Banespa, em São Paulo, para desbloquear o dinheiro retido desde a implantação do Plano Collor. A imagem é de 1991 e o plano já havia fracassado. Foto: Epitácio Pessoa/Estadão Conteúdo – 15/8/1991

Em um esforço para conter a hiperinflação, o governo determinou o bloqueio da maior parte do dinheiro da população. Correntistas e poupadores só poderiam sacar 50 mil cruzados novos, valor pequeno para a época. O restante ficaria retido por um ano e meio, com devolução parcelada e correção monetária.

A justificativa do confisco da poupança era conter a hiperinflação, que ultrapassava 80% ao mês, mas a população não teve tempo para compreender a medida.

O impacto foi imediato.

Pessoas que haviam vendido bens, acumulado reservas ou simplesmente mantinham seu dinheiro no banco para o dia a dia viram seus planos desaparecerem. Da noite para o dia, literalmente. Empresas perderam liquidez e famílias entraram em desespero.

O caos de um País sem dinheiro

Nos dias que se seguiram ao anúncio, houve confusão. Muitos brasileiros só compreenderam a dimensão da medida ao tentarem acessar suas contas e descobrirem que estavam, na prática, sem dinheiro.

Alexandre Miserani, na época estudante de Direito e funcionário de uma grande empresa mineira, lembra do impacto que lhe causou aquele momento. A notícia chegou durante o intervalo da faculdade, em uma transmissão ao vivo.

Alexandre teve todo o dinheiro aplicado, que fazia parte de um plano para comprar seu primeiro imóvel, confiscado. “Era um valor muito considerável para o que eu ganhava e para o meu padrão de vida na época. Tive que adiar esse sonho”, conta.

Enquanto isso, nas agências bancárias os funcionários trabalhavam sem respostas claras.

Edmilson Luiz de Souza, então funcionário do Bradesco, acompanhou a confusão de dentro de uma das maiores instituições financeiras do País.

“Fomos surpreendidos com três dias de feriado bancário e, quando voltamos, o caos estava instalado. As pessoas queriam explicações que nem nós tínhamos. As orientações chegavam pelo Telex (sistema de comunicação da época), cheias de correções e contradições.”

Em algumas cidades clientes tentaram invadir agências e em outras houve destruição de patrimônio. Em sua cidade, Campo Belo (MG), Edmilson lembra de um caso inusitado. “Um homem foi até a extinta Minas Caixa disposto a sacar os 50 mil cruzados, mesmo sem ter conta no banco. Ele simplesmente ouviu na TV que poderia sacar e foi até lá. Tivemos que chamar a polícia.”

O efeito dominó

Para empresários, o confisco representou um golpe fatal no caixa das companhias. O pai de Alexandre Miserani, dono de uma concessionária de veículos, mantinha a maior parte de seu capital aplicado em CDBs e no durante a noite – instrumentos de liquidez diária que garantiam o giro da operação. De um dia para o outro, ficou sem dinheiro para pagar fornecedores e clientes.

“Ele fez o que poucos fariam. Para não deixar ninguém no prejuízo, vendeu tudo. O apartamento de 400 metros quadrados foi trocado por um imóvel pequeno na periferia. Os carros, os sítios, qualquer ativo que pudesse ser liquidado foi vendido”, conta Alexandre.

O impacto não ficou restrito às empresas. Funcionários de diversas companhias só receberam seus salários por meio de soluções alternativas. “Na empresa onde eu trabalhava, o dono tinha um amigo supermercadista que nos pagou em dinheiro vivo. Ele parou um caminhão com dinheiro em espécie dentro da fábrica e começou a distribuir os valores, porque a empresa estava sem liquidez”, relembra Alexandre.

O que mais mudou além do confisco da poupança?

O Plano Collor ia muito além do confisco. Além da troca da moeda – do cruzado novo para o cruzeiro, sem corte de zeros –, a equipe econômica do governo anunciou uma série de medidas para tentar conter a inflação galopante.

Entre elas, o congelamento de preços e salários por 45 dias, a criação de um imposto sobre operações financeiras, o aumento de tarifas de serviços públicos, como gás, luz e telefone, e a extinção de 24 estatais, com a demissão de 81 mil funcionários públicos.

Apesar do choque inicial, a inflação seguiu descontrolada. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projetava que março de 1990 fecharia com 89,6% de alta nos preços – e, de fato, o mês terminou com avanço de 82,39% no IPCA, o maior já registrado pelo IBGE.

O medo que durou décadas

Além das perdas imediatas, o confisco da poupança deixou um trauma duradouro nos brasileiros. Durante anos, o medo de que o governo pudesse repetir a medida mudou o comportamento dos investidores.

“As pessoas passaram a diversificar seus recursos, comprando imóveis, ouro, dólar e até joias, qualquer coisa que não pudesse ser confiscada de um dia para o outro”, explica Alexandre. No setor bancário, os clientes passaram a pulverizar seu dinheiro entre várias instituições. Ninguém queria deixar tudo em um só banco.

O fracasso do Plano Collor e a persistência da inflação levaram o País a novas tentativas de estabilização. Enfim, em 1994, com o lançamento do Plano Reala inflação começou a ser controlada. Foi somente com a nova moeda que o Brasil finalmente conteve a escalada de preços e recuperou a confiança na economia.

No entanto, o episódio de 1990 nunca foi esquecido.

“A experiência de ver o governo tomar seu dinheiro sem aviso, com o confisco da poupança, fez com que toda uma geração passasse a confiar menos no sistema financeiro”, diz Alexandre.

O advogado resume a memória daquele tempo: o Brasil acordou sem dinheiro. E alguns nunca mais se recuperaram.



Leia Mais

Recente:

Tempestades mortais, tornados varrendo por nós – DW – 16/03/2025

Vários tornados Amarra grandes partes do sul e...

Papa aprova caminho de acompanhamento da implementação do Sínodo

Em carta divulgada neste sábado, 15, Cardeal Mario...

RODRIGO DAMASCENO NOMEIA ‘RAMBO’ PARA UNIDADE DE SAÚDE DA VILA SÃO VICENTE

Na ação de saúde realizada no Gregório no último...

Boletim de Informações

Não deixe de ler:

Tempestades mortais, tornados varrendo por nós – DW – 16/03/2025

Vários tornados Amarra grandes partes do sul e...

Papa aprova caminho de acompanhamento da implementação do Sínodo

Em carta divulgada neste sábado, 15, Cardeal Mario...

RODRIGO DAMASCENO NOMEIA ‘RAMBO’ PARA UNIDADE DE SAÚDE DA VILA SÃO VICENTE

Na ação de saúde realizada no Gregório no último...

Nota pública sobre a fuga de um preso em Rio Branco

Da Redação O governo do Estado, por meio do...

Tempestades mortais, tornados varrendo por nós – DW – 16/03/2025

Vários tornados Amarra grandes partes do sul e do meio -oeste dos EUA, achatando casas e deixando pelo menos 34 pessoas mortas, disseram...

Papa aprova caminho de acompanhamento da implementação do Sínodo

Em carta divulgada neste sábado, 15, Cardeal Mario Grech detalha processo a ser vivido pela Igreja que culminará em Assembleia Eclesial no Vaticano...

Explosão de suspeita de bomba antiga na Síria mata 16 – DW – 16/03/2025

Uma bomba não explodida de SíriaO conflito de 13 anos explodiu na cidade costeira de Lattakia, matando pelo menos 16 pessoas, disse o...