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05/02/2025

Urucum ou jenipapo nas eleições de 2024 – 12/10/2024 – Ailton Krenak



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O ente que determina a política do Estado brasileiro com relação às terras indígenas é o governo federal, que age por meio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). É óbvio que as lideranças indígenas entendem que seus assuntos se definem em Brasília, não em uma assembleia legislativa. Daí que poucos indígenas concorrem a vagas nos Legislativos estaduais.

Mas as prefeituras despertam outras motivações para candidaturas indígenas. Muitos municípios são sobrepostos a terras indígenas. São fronteiras coloniais que invadem os territórios indígenas e geram conflitos. Seja uma fazenda ou uma estrada que incida sobre o território indígena, o equipamento municipal é o caminho institucional das invasões.

Só que, para defender seus territórios, os indígenas precisam ir a Brasília. Por limitações constitucionais, toda e qualquer legislação sobre a vida indígena cabe exclusivamente à União. Só o Congresso Nacional pode legislar sobre os povos indígenas. Nenhum município tem mandato para legislar em nada que afete os indígenas, nem mesmo a cor de que vão pintar seus corpos. São eles que decidem se vão pintar de vermelho e de preto, de urucum ou de jenipapo.

Acontece que os povos indígenas descobriram que, nos municípios, as Câmaras legislam a favor dos munícipes e —geralmente— contra a terra indígena. Ela pode exercer o controle e a regulação da política local.

Daí que os indígenas entenderam que é importante ter representação na Câmara Municipal, o que fez aumentar significativamente as candidaturas indígenas neste pleito de 2024. Acontece que, mesmo havendo o crescimento das candidaturas, essas estão sempre em minoria gritante e em desvantagem no quesito do financiamento. A maioria faz as campanhas às suas próprias custas, ao passo que os partidos lançam candidaturas indígenas com o mero interesse de carrear o voto da população indígena para seus candidatos majoritários, não indígenas, em razão do quociente eleitoral.

Os eleitores indígenas só são eleitores porque são indígenas que querem votar em candidaturas indígenas. Senão, não iriam votar em ninguém. Eleitores indígenas não votam em branco. Votam em indígenas. Acontece que o voto é indígena, mas a candidatura, e o quociente, é do partido.

Nestas eleições de 2024, foram eleitos 241 vereadores indígenas e nove prefeitos, entre mais de 2.400 candidaturas inscritas, segundo um levantamento. Visto assim, o lançamento das candidaturas pode parecer uma estratégia que não beneficia os indígenas.

É certo que as eleições de 2024 ocorreram em meio a emergências climáticas —fogo e seca extrema, que se seguiram às inundações e às chuvas que afetaram parte das cidades onde há candidaturas indígenas, do Rio Grande do Sul ao Alto Rio Negro, em Mato Grosso do Sul e no Paraná.

Diante desses desastres, ao ocupar Câmaras Municipais e prefeituras, os indígenas conseguem ajudar a barrar pautas que violam os direitos dos povos originários —mesmo que eles sejam debatidos em âmbito federal—, ao mesmo tempo que legislam em favor da justiça climática. Questões como o marco temporal e a demarcação de terras também são, pois, pautas de vereadores e prefeitos indígenas.

É importante registrar que alguns mandatos não indígenas já avançam para além de suas competências constitucionais, apresentando projetos que afetam questões de gênero e raça. Isso deveria ser visto como um escândalo.

O fato de essa prática ainda existir no século 21 prova o ranço fascista de que ainda estamos impregnados. Ele propaga violências de toda ordem, com a criação de espaços em que o domínio da força se impõe sobre os chamados direitos sociais. Isso se reflete em confrontos até fora do país, onde há a eliminação física de opositores em disputas entre políticos regionais, ainda uma tradição geral.

Isso também incide contra a democratização da sociedade, violentando os excluídos, historicamente, da vida brasileira. É neste país, em que a escravização de corpos negros e indígenas lançou raízes profundas, que nós exigimos o nosso lugar.


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Fonte: Estadão

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