Por: Bárbara Blum
“Não é verdade que o tempo cura tudo. O que cura é justiça”, diz a filósofa espanhola Brigitte Vasallo, sobre as mazelas deixadas pela colonização das Américas. Em uma tenda cheia, ela encontra a psicóloga guarani Geni Nuñez na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, na manhã deste sábado (12), para debater sobre o amor político.
A espanhola, de fala acelerada e energizada, emocionou o público ao dizer que “isso que chamamos de amor mata 80 mil mulheres por ano”. Lembra a fala da filósofa italiana Silvia Federici, que virou até pano de prato –”o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”.
Nuñez, de fala vagarosa, elogia a traição do pacto colonial que a espanhola faz. Ela diz que foi selecionada no povo dela –Nuñez é guarani– para levar a evangelização, fracasso do qual se orgulha. “Antes de pedir perdão, veja se vocês concordam com o pecado”, diz.
Há uma inversão colonial que costuma colocar quem está em perigo como perigoso, diz Nuñez. Ela parte das cartas jesuítas, que registraram as formas de amor indígenas, para entender o que foi considerado pecado ou não. O nomadismo, por exemplo, era repreendido.
Ela usa essa ideia para brincar com os versos de “Eu Sei que Vou te Amar”, de Tom Jobim, e diz que não, ninguém sabe se vai mesmo amar alguém por toda a vida. Mas o louvor à permanência e as promessas de segurança do futuro são praxe.
“O que eles querem é que a única estrutura de apoio seja aquele casal tão pequenininho”, diz Vasallo, que se diz a favor do casamento para todos, mas propõe ampliar as relações para que outras estruturas sejam reconhecidas na sociedade.
Nuñez mistura à sua fala histórias pessoais e alguns poemas, do seu livro “Felizes por Enquanto”, da editora Planeta. Ela lê um poema em homenagem à sua mãe, que, ao descobrir que a filha não é heterossexual, disse que não gostaria de ir a um céu em que a filha não estivesse.
Vasallo, expulsa da própria família, diz que é possível reivindicar essa estrutura e criticá-la ao mesmo tempo. Ela fala sobre a origem camponesa de seus pais e sobre a linha tênue entre família e não família na aldeia.
A espanhola se diz obcecada pelos métodos –muito mais do que pelas coisas. Afirma que, na Europa, o feminismo virou um tópico, e não um método. Diz que não se interessa pelo feminismo como tema, mas como método. “Não sou muito identitária.”
Cada fala era recebida com aplausos, a ponto de Nuñez avisar, ao fim de uma colocação, que tinha acabado, para dar a deixa. Com clima celebratório, alguns poucos casais trocaram beijos durante e ao fim da mesa. Ao final, as autoras receberam palmas de pé do público.