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05/02/2025

Textos jornalísticos de Walter Benjamin dizem muito sobre hoje – 12/10/2024 – Ilustríssima



Por: Dirce Waltrick do Amarante

[RESUMO] Ensaios do pensador Walter Benjamin (1892-1940) publicados em jornais e agora reunidos em livro antecipam reflexões mais densas que seriam depois desenvolvidas por ele em seus trabalhos mais conhecidos e espantam pelo frescor e pela atualidade de suas ideias, como ao comentar tradução e crítica literária e ironizar a proliferação de vigaristas e tolos.

“Walter Benjamin – Literatura”, organizado e traduzido por Maria Aparecida Barbosa, é uma coletânea de textos do pensador alemão escritos majoritariamente nos anos 1920. A seleção destaca os ensaios jornalísticos de Benjamin, por vezes considerados menores pela crítica, mas que dialogam estreitamente com as reflexões densas desenvolvidas por ele em seus trabalhos mais conhecidos e hoje considerados referenciais.

O prefácio alentado, assinado por Barbosa, oferece ao leitor um amplo panorama dos temas e das preocupações de Benjamin ao longo de sua vida, e enfatiza o interesse pela cultura dos povos originários da América que o levou a frequentar as aulas do americanista Walter Lehmann, pesquisador da cultura mexicana e da “religião dos maias e dos astecas”.

Abre o livro o ensaio intitulado “Romantismo: uma Palestra não Proferida a Jovens Estudantes”, publicado em 1913, nos tempos de seu envolvimento com o movimento estudantil, como lembra Barbosa.

A impressão que se tem, lendo esse e os outros textos, é que a maioria deles é bastante atual, mas o primeiro, especialmente, parece ter sido escrito especialmente para os dias de hoje, como se o filósofo se dirigisse aos professores e aos alunos das instituições federais do nosso país que retornaram às aulas recentemente depois de um período de greve sem resultados efetivos. Fingirão que a crise na educação não existe mais ou continuarão debatendo os rumos do ensino no nosso país?

Um século atrás, e poucos anos antes da ascensão do nazismo ao poder, Benjamin alertava para o fato de que a “nossa escola está repleta de falso romantismo”. “A oferta em matéria de dramas ou heróis históricos, de vitórias da tecnologia e da ciência, nada disso é verdadeiro. A recepção disso tudo sucede fora do contexto intelectual e da história viva”, completa.

O ensino naquele período histórico não parece ser muito diferente do contemporâneo, e ele levaria a “ver o extraordinário em tudo o que é infinitamente particular, em vez de vê-lo no surgimento do homem, na história da humanidade”. A ausência de ampla perspectiva acabaria dando origem a um grupo de docentes e discentes “blasé” e “apolítico”, cujas pesquisas seriam insípidas ou diletantes, transformando a formação em “pose”.

Em um outro texto bastante instigante, Benjamin fala da vida de Cagliostro, um vigarista italiano do século 18 “que queria reconciliar os maçons com o papa e, como mediador entre essas duas instâncias poderosas, conquistar a influência suprema dentro da Europa”.

O pensador se indaga como foi possível que, em pleno Iluminismo, as pessoas se dispusessem a acreditar nas mentiras desse sujeito. “Há muitas lições a serem extraídas da história, se for o caso. É possível facilitar as coisas, dizendo simplesmente que os estúpidos não desaparecem.”

No século 21, não é difícil perceber que os Cagliostros estão se proliferando em todos os lugares e que seu sucesso é particularmente relevante na micropolítica e na macropolítica. Benjamin talvez concluísse que as pessoas que ele considerava estúpidas não só não desapareceram, como se multiplicaram vertiginosamente do Iluminismo até os dias de hoje.

As opiniões do pensador alemão são enfáticas na maioria dos textos. Ao discutir a crítica literária, por exemplo, ele se volta para “O Idiota”, de Dostoiévski. “A crítica só prova seu direito de abordar a obra de arte na medida em que respeita o campo respectivo e tem o cuidado de não espezinhá-lo. Tão insolente transgressão dos limites é o elogio dado a um escritor devido à psicologia de seus personagens, e é somente por essa razão que os críticos e os escritores via de regra se merecem, visto que o romancista mediano emprega modelos desbotados que a crítica então pode logo identificar e, precisamente por ser capaz de identificá-los, também elogiá-los.” A tese de Benjamin não poderia ser mais radical: a obra de Dostoiévski deveria ser mantida longe dessa esfera crítica.

Em “Três Franceses”, o filósofo fala, porém, de outro tipo de crítico, aquele que vê além de seu tempo. Na sua opinião, o caso de Proust foi o mais interessante.

Em 1913, Paul Souday, um renomado crítico, “era um dos poucos que viam na primeira obra da grande sequência —’O Caminho de Swann’— algo diferente de um emaranhado entediante de notas fúteis e elucubrações doentias. A dificuldade para um resenhista não é ler ou captar a obra, mas apresentá-la ao público”.

E foi preciso muito tempo para que seus colegas o acompanhassem “em sua posição avançada”. “Acontece que em 1919, Proust recebe o Prêmio Goncourt e, a partir daí, a crítica se transforma cada vez mais na historiografia de sua fama”, afirma.

Interessante também é a reflexão de Benjamin sobre a comédia, gênero por vezes considerado menor, como ele reconhece. Para o pensador, a grandeza da comédia não está na grandeza da paixão, mas na “profundidade do pensamento, e ela persegue esse pensamento até que ele fique alegre e se transforme em riso”. A comédia sai transfigurada da sua reflexão.

A tradução é outro tema que preocupa Benjamin em alguns dos textos selecionados para o livro. Em uma carta de 1925 ao filósofo alemão Gerhard Scholem, diz: “Marcel Proust você deve conhecer de nome. Esses dias fechei um acordo para a tradução da principal obra do seu grande ciclo de romances ‘Em Busca do Tempo Perdido'”.

Hoje parece impossível existir um leitor erudito que não conheça Proust. De lá para cá, o que se manteve inalterável talvez seja “a remuneração nada boa, mas razoável” do tradutor.

Ainda assim, Benjamin sabia que assumir o trabalho e ser bem-sucedido poderia lhe garantir “um crédito permanente como tradutor”. Mas, lembra Maria Aparecida Barbosa, “o reconhecimento de Benjamin como tradutor adveio da versão dos poemas ‘Quadros Parisienses’ de Baudelaire“, a qual foi publicada precedida de seu famoso ensaio ‘A Tarefa do Tradutor’.”

Algo importante a se destacar sobre esse tema é que a teoria da tradução de Benjamin nasce da prática, e talvez por essa razão suas reflexões sejam sempre tão lúcidas, como esta que se segue.

“Os que traduzem trabalham em dois idiomas. Seu material —mais que isso; seu órgão—, além da língua materna, não é tanto o texto estrangeiro, antes, a língua estrangeira. Com as duas línguas, ele constrói algo e se pode de modo geral dizer que tem sorte se a construção durar pouco mais que um castelo de cartas.”



Fonte: Estadão

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