Por: Kana Inagaki, Sarah White
As montadoras de carros elétricos da Europa estão planejando dezenas de modelos mais acessíveis para o ano que vem, como forma de se preparar para o apelidado “inverno dos EVs” (veículos elétricos, na sigla em inglês).
A previsão de baixa demanda foi impulsionada pelas novas e rigorosas metas de emissão de carbono da União Europeia, além da concorrência feroz dos fabricantes da China.
A poucos dias do Salão do Automóvel de Paris nesta próxima semana, as grandes montadoras europeias estão focadas em recuperar a participação de mercado perdida com novos veículos.
“Estamos aqui para lutar”, disse o CEO da Renault, Luca de Meo, no início deste mês, ao revelar um projeto de reciclagem de baterias e planos para apoiar o negócio de veículos elétricos da empresa. “Temos desafios em todos os lugares. Não será fácil, mas vemos muito potencial.”
A Renault é a única grande fabricante de automóveis europeia que não emitiu um alerta de lucro recentemente. Volkswagen, Stellantis, BMW e Mercedes-Benz cortaram suas previsões de ganhos devido a problemas em várias frentes, desde a intensa concorrência até a fraca demanda europeia e o aumento dos estoques nos EUA.
A pressão sobre a indústria aumentará novamente no próximo ano, quando as novas metas de emissões da UE entrarem em vigor. As medidas exigem que os fabricantes de automóveis reduzam as emissões de carbono de suas frotas —aumentando a proporção de veículos elétricos e híbridos— ou enfrentem grandes multas.
Executivos dizem que cumprir as metas de emissões se tornou mais difícil devido a uma recente desaceleração no crescimento das vendas de veículos elétricos: os consumidores se tornaram mais cientes dos custos e os subsídios foram cortados em grandes mercados como a Alemanha.
Alguns fabricantes de automóveis, com exceção da Stellantis, pediram que as metas fossem atenuadas ou adiadas, para evitar multas que poderiam somar até €51 bilhões (cerca de US$ 54 bilhões, ou R$ 303 bilhões) até 2030, segundo a consultoria AlixPartners.
Ao se dirigir a um comitê parlamentar italiano na sexta-feira (11), o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, disse que a mudança para veículos elétricos exigida pelas regras adicionaria custos significativos para os fabricantes de automóveis.
“Em um sistema que não pode absorver mais preço porque o consumidor não quer pagar mais, estamos inserindo 40% mais custo”, disse ele.
O analista do Barclays, Henning Cosman, estima que os fabricantes de automóveis globais lançarão mais de 100 modelos de veículos elétricos este ano na Europa e cerca de 70 em 2025, mas os preços mais baixos necessários para realizar vendas podem causar um “inverno dos EVs”, acrescentou.
“Se você é um consumidor, quase sente que comprar um veículo elétrico hoje é um erro porque sabe que pode conseguir um melhor, com mais autonomia e tecnologia mais recente e, muito provavelmente, a um preço mais baixo em breve. Isso é realmente uma espiral descendente.
Os fabricantes de automóveis europeus, sabendo que estariam sob pressão para vender modelos mais baratos em 2025, focaram no segmento mais caro do mercado este ano.
Isso os tornou menos capazes de competir com empresas como a BYD e a Xpeng da China, que têm um preço de €20.000 (US$ 21.200, ou cerca de R$ 120 mil) para alguns modelos —cerca de metade do preço médio de um veículo elétrico na Europa, segundo a ONG Transport & Environment.
“Poderia haver uma guerra de preços, mas não tenho certeza se os europeus estão na melhor posição para vencê-la”, disse Alexandre Marian da AlixPartners.
Os veículos elétricos já são menos lucrativos para os fabricantes de automóveis antes de qualquer novo desconto no próximo ano. Em toda a indústria, as margens brutas são cerca de 15 pontos percentuais mais baixas do que para modelos com motor de combustão, de acordo com o Barclays.
Alguns modelos mais baratos serão exibidos no salão do automóvel, incluindo um carro de menos de €20.000 fabricado pela Leapmotor, parceira chinesa da Stellantis.
A Renault já está aceitando pedidos para seu elétrico R5, com preço em torno de €25.000 (cerca de US$ 26.500). Enquanto a Citroën, outra marca da Stellantis, mostrará modelos incluindo o SUV compacto C3 Aircross, embora apenas as versões não elétricas estejam com preço em torno de €20.000.
De acordo com pesquisa compilada pela Renault, os fabricantes de automóveis da UE precisarão de uma participação de mercado europeia de 20% a 22% para cumprir as metas de emissões. Mas, no momento, estão presos a menos de 15%.
Analistas dizem que as metas são alcançáveis se os fabricantes de automóveis comprarem créditos de emissões de grupos rivais que vendem veículos mais limpos. Mas o custo de fazer isso para empresas como Volkswagen e Ford, que estão mais atrasadas nas metas, provavelmente arrastará ainda mais seus lucros para baixo.
Antes do salão do automóvel, Luc Chatel, chefe do lobby automotivo francês PFA, disse que “os fabricantes e toda a indústria estão investindo bilhões de euros” para mudar para veículos elétricos.
Mas ele acrescentou um alerta sobre o “grave perigo” para a indústria. “Os consumidores não estão mais acompanhando. Isso significa que os fabricantes provavelmente terão que pagar multas europeias no próximo ano, o que é bastante surreal.”
