Por: Paulo Tadeu Nunes de Carvalho
Em recente artigo publicado nesta Folha, alguns advogados qualificaram o Supremo Tribunal Federal como “carrasco” por decidir autorizar que o condenado possa ser preso logo após parecer do júri popular (“STF: guardião ou carrasco da Constituição?”, 22/9). Tal crítica somente é compreensível para quem exerce o direito unicamente com o objetivo de consagrar a imunidade dos réus, independentemente dos malfeitos praticados.
A crítica ao STF desperta uma pergunta crucial: quem, no sistema judicial, são os verdadeiros carrascos da população? A medida da corte, observada em países com alto grau de respeito à sua população, deu um basta às chicanas jurídicas. De agora em diante, o Supremo impede que criminosos condenados por júri popular em crimes dolosos contra a vida respondam em liberdade até o julgamento final de seus recursos. Essa é uma decisão de respeito ao direito e aos familiares das vítimas.
No Brasil, o júri popular é soberano em crimes dolosos contra a vida, como homicídios. A soberania do júri significa que a decisão dos jurados, compostos por cidadãos comuns, não pode ser alterada quanto ao mérito, ou seja, à culpabilidade ou à inocência do réu. Mesmo assim, após a condenação, os recursos apresentados se limitam a meras formalidades e burocracias, que retardam a execução da pena sem questionar, de fato, o mérito da condenação.
A deliberação do STF aprimora o sistema jurídico-institucional do país. A falta de temor pela punição tem contribuído para a banalização da vida. A aposta na impunidade é ainda mais agravada pela morosidade do sistema, causada pelos inúmeros recursos e manobras legais que visam apenas atrasar a punição, mesmo com provas sólidas de culpabilidade.
A prevenção de crimes depende da eficácia da lei e da força garantidora do direito estabelecido na Constituição. A certeza da punição imediata gera a necessária dissuasão para futuros crimes. No entanto, ainda é indispensável que o sistema rejeite apelos que visam apenas a protelação.
O abuso do direito de recorrer precisa ser combatido, e a determinação do Supremo para a sociedade brasileira, especialmente para as vítimas e seus familiares, é um indicativo de avanço na busca por uma Justiça mais célere e eficaz.
Nas tragédias coletivas de Mariana, Brumadinho, Ninho do Urubu e afundamentos de bairros de Maceió ninguém foi sequer julgado. O processo da boate Kiss durou mais de 11 anos. A Justiça tem falhado porque a responsabilização gera prevenção. Aqueles que cometeram atos contra o direito à vida, direito irreparável, não podem ficar imunes à Justiça.
O meu ponto de vista retrata a caminhada ao lado de familiares de vítimas e sobreviventes do incêndio na boate Kiss, em 2013, na cidade de Santa Maria (RS), com 242 mortes, a maioria jovens —entre eles, meu filho Rafael, que teve a vida interrompida aos 32 anos.
Decisões como a do STF, hoje, ajudam a salvar vidas futuras.
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