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14/03/2025

Para não serem dominadas, periferias precisam dominar IA – 14/10/2024 – Veny Santos



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Há que se dominar o saber antes que ele domine o ser e se torne capaz de produzir, moldar e condicionar imaginários a ponto de instrumentalizar o indivíduo —e não o contrário. Faz-se indispensável um elemento básico, tão escasso a depender de determinadas condições sociais: acesso.

Hoje, despejam-se em anúncios toneladas de ofertas de cursos sobre inteligência artificial, na maioria dos casos com foco em negócios e na eterna corrida para ser o mais competitivo. Porém, tratando-se de uma ferramenta tão nova e de veloz desenvolvimento, basta já torná-la, desde o início, um conhecimento deveras exclusivo para justificar seu valor? Não basta.

Àqueles e àquelas que ainda vivem sob o manto da exclusão digital, sem oportunidade de aprender a operar saberes novos, restam duas opções. Esperar que mais uma tecnologia os engula ou dar seus pulos e abocanhar com firmeza a farta fatia que parece ser sempre oferecida para bocas poucas.

Uma fotografia. O Windows era 1998, mas o ano 2002. Um garoto, no auge dos seus 15 anos, concluía o que, à época, em seu bairro de periferia, parecia ser o auge da oportunidade para o futuro: o curso básico de computação. Tirando os quatro computadores, a infraestrutura em nada era inédita. Tratava-se da sala de uma casa, simples em sua materialidade, mas já deslumbrante e sofisticada na atmosfera moderna e digital que passava. Escrever, criar tabelas, organizar apresentações. Foi assim que aprendeu a utilizar o pacote Office.

O pai contou moedas, literalmente, para honrar as mensalidades. Ele, que se orgulhava de ter concluído um curso de datilografia na sua juventude, agora imaginava o filho digitando com a mesma destreza frases e mais frases num teclado outro. A chance de aprender a operacionalizar aquela tecnologia que prometia —e, de certa forma, cumpriu tal promessa —inserir a humanidade em uma nova era mudou sua relação com o saber.

Permitiu ao menino imaginar possibilidades de uso do computador e seus softwares para além da passividade desejada por quem resumia tal treinamento apenas à preparação para o mercado de trabalho. Também era, mas não só, até porque, sabe-se bem, este mercado diz privilegiar mentes criativas, entretanto pouco contribui para a emancipação técnica das massas.

A inteligência artificial precisa ser dominada nas quebradas, sem medo, mas com parcimônia. Cada região periférica não pode, mais uma vez, ficar à margem do que já é elemento central do desenvolvimento tecnológico e cujos impactos serão sociais, políticos, econômicos, culturais e psicológicos. Quanto a este último elemento, reforça-se o alerta para os cuidados com a própria relação subjetiva que as pessoas passam a ter com tal ferramenta. Como será impactada a elaboração do imaginário das novas gerações já ligadas a esta inteligência? Como serão condicionadas as cognições diante da ferramenta que busca ser o mais humana possível?

Sem treinamento, orientação, reflexão e regulamentação, o uso da IA se manterá restrito e quando chegar às periferias, provavelmente dominará as mentes criativas podando seus imaginários e empacotando-os como mercadoria para uma realidade de trabalho limitante e exploratória.

Acesso é o que produz inteligências reais.


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Fonte: Estadão

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