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Vejo uma baita coerência no fato de outubro ser, ao mesmo tempo, o mês das crianças e o mês das bruxas. Celebrar a infância e o sombrio, quase simultaneamente, me faz pensar como esses dois universos estão intimamente conectados.
Ser criança não é para os fracos. Muitos adultos fantasiam a infância como um conto de fadas. Posso até concordar, se considerarmos que essas histórias são repletas de injustiças, perigos, traumas, tutores narcisistas, pais ausentes ou omissos (quando não mortos, precocemente) e por aí vai.
Ah, mas e a inocência? A mente que acredita em Papai Noel e coelhinho da Páscoa também acredita em homem do saco e bicho-papão. Na memória, esse aspecto pode parecer lúdico e até excitante, mas, na prática, viver achando que se deixar o sapato virado a mãe morre, se soltar pum a mão fica amarela, se fizer careta e bater um vento fica com o rosto deformado para sempre, não é exatamente um passeio no Beto Carrero World.
Se, por um lado, a inocência era um estado de graça, por outro podia nos engolir como um buraco negro. A sensação de não saber uma infinidade de coisas básicas sobre a vida –como de onde vêm os bebês ou por que temos pesadelos– também não era esse Grapette todo.
No vazio deixado pela falta de respostas, a imaginação entrava em cena, para o bem ou para o mal. Eu, por exemplo, achava que se engolisse um caroço de melancia, ficaria grávida; e se mergulhasse na piscina de barriga cheia, ficaria tetraplégica. O mundo era um campo minado onde pequenas ações desencadeavam catástrofes. Fofo? Não diria.
Ah, mas e as descobertas? Vamos lá. Lembra quando você descobriu que todo mundo vai morrer um dia? Que seus pais também têm defeitos? Que pessoas moram na rua?
Ah, mas e a ausência de responsabilidades? Ainda que uma criança não precise pagar as contas, não existe almoço grátis. Pais preocupados com dinheiro e/ou estressados pelo excesso de trabalho podem acabar descontando nos filhos.
Não há mágica sem mistério, curiosidade sem incerteza, aventura sem medo. Aceitar que a melhor fase da vida também é sombria não é estragá-la. É honrar nossas crianças, que, sem os mesmos recursos de um adulto, enfrentaram desafios assustadores, reais e imaginários –sendo que, para elas, dava tudo no mesmo.
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