Por:
Viver cem anos parecia não ser mais meta inalcançável com o acentuado progresso material no século 20. Após um quarto do 21, porém, torna-se evidente que esse ora continuará privilégio de poucos.
Não que a indústria humana não possa ainda dar grandes passos —como atesta o advento recente de variadas aplicações da inteligência artificial, inclusive na medicina. Mas é na própria biologia de nossa espécie, não em sua ciência ou tecnologia, que a evolução da longevidade encontra limites difíceis de transpor.
O indício mais sugestivo dessa barreira surgiu com a constatação de que o avanço paulatino da expectativa de vida ao nascer está em desaceleração no mundo. Ao longo do século passado, ela saltava três anos a cada década, e tal velocidade indicava que, um dia, tornar-se centenário viria a ser uma regra, não mais exceção.
Só um país entre os de população mais longeva, a Coreia do Sul, ainda ostenta essa média; Hong Kong, cujos dados ainda se computam em separado da China, também exibe o ímpeto invejável. No restante do planeta, porém, tal incremento já caiu abaixo de dois anos por década.
O estudo da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), que mostra a desaceleração acentuada entre 1990 e 2019 foi publicado no periódico Nature Aging.
Uma pessoa nascida hoje em Hong Kong tem expectativa de viver 85,5 anos. Se for do sexo feminino, há chance de 12,8% de ultrapassar cem anos; se masculino, 4,4%. Vale dizer: mesmo num dos líderes em longevidade, tornar-se centenário é para poucos.
Diferentemente do que se possa pensar, o avanço da expectativa de vida no século 20 se deu mais pela redução da mortalidade infantil do que por prolongamento da vida em idade avançada. Com saneamento básico, vacinas e acesso a serviços de saúde, esse indicador que reduz médias recuou de maneira considerável.
Por óbvio, melhoras em tecnologias médicas e no acesso a elas por idosos também contam, mas não com o mesmo impacto. Após meio século de vida, a biologia se impõe: mesmo que a mortalidade se reduzisse a nada entre 0 e 50 anos de idade, a expectativa de vida ainda ficaria entre 85 e 90 anos sem concomitante recuo das taxas após os 50, quando se torna mais difícil evitar mortes.
Há espaço para incremento em países como o Brasil, onde a expectativa é de 76,5 anos. Se e quando chegarmos no encalço de recordistas sul-coreanos, japoneses e suíços, porém, um salto além dos limites de fisiologia dependeria de revolução biomédica que todavia não se vislumbra.