Por: Tulio Kruse
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que fiscaliza as concessionárias de distribuição de energia, pediu à Justiça paulista para atuar como assistente da Enel SP numa ação judicial movida contra a empresa por causa dos apagões na região metropolitana de São Paulo.
A Promotoria de Justiça do Consumidor do Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública estadual, que movem a ação contra a Enel, dizem que a agência federal emperrou a tramitação do caso, que já poderia ter sido julgado.
No último fim de semana, a Aneel se tornou alvo de críticas do ministro de Minas e Energia do governo Lula (PT), Alexandre Silveira. Ele sugeriu que a agência não teria dado sequência a processos que poderiam resultar na caducidade do contrato da Enel SP. A agência federal, por sua vez, afirma que fiscaliza a concessionária de forma sistemática.
O processo judicial contra a empresa teve início após o apagão de 3 de novembro do ano passado que, após uma grande ventania na capital, deixou 3,7 milhões de domicílios sem luz e só foi normalizado uma semana depois. Do total, cerca de 2 milhões eram clientes da Enel.
A Promotoria do Consumidor e a Defensoria argumentam que a companhia está prestando o serviço de forma inadequada, abaixo de parâmetros mínimos de qualidade.
Eles pedem que a empresa seja obrigada a reduzir tanto a duração quanto a quantidade de apagões, sob pena de multas milionárias, além de diminuir o tempo de atendimento às reclamações de clientes.
Numa liminar (decisão provisória), a Justiça concordou com parte dos pedidos feitos pelos promotores e defensores públicos, exigindo que a Enel adeque seu atendimento. A empresa recorreu dessa e de outras decisões liminares no processo.
A ação foi aberta em dezembro do ano passado. A Aneel pediu para entrar como assistente da Enel SP em julho deste ano, sob justificativa de que pretende “evitar a usurpação de suas atribuições regulatória e fiscalizatória”.
A agência afirma que a Promotoria e a Defensoria pretendem, com o processo, criar regras para o serviço de distribuição de energia além daquelas que são feitas pela agência.
Como argumento, o órgão federal cita trechos das petições protocoladas por promotores e defensores, que contém críticas a normas da Aneel. Numa das petições, Promotoria e Defensoria dizem que uma regra da agência está “na contramão da jurisprudência”.
A Justiça de primeira instância negou a participação da Aneel na ação, afirmando inclusive que o pedido para participar como assistente da ré é incomum e incompatível com as funções de uma agência reguladora.
“Causa estranhamento o fato da Aneel apresentar-se nos autos justamente como assistente da parte requerida”, escreveu o juiz Fabio de Souza Pimenta, da 32ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo . Isso só teria cabimento se a agência tivesse interesse num julgamento favorável à Enel, segundo o magistrado. “Soa absolutamente incompatível com a sua própria destinação regulatória e fiscalizatória das atividades da ré, a exigir-lhe imparcialidade e equidistância”.
Tanto a Aneel quando a Enel recorreram dessa decisão, afirmando que ela contraria o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal). Já Ministério Público e Defensoria argumentam que a negativa do juiz tem respaldo em decisões anteriores do Supremo.
Agora, a segunda instância do Tribunal de Justiça está analisando os pedidos da Aneel. O tribunal deve decidir se a ação fica na Justiça estadual ou se será enviado à esfera federal.
“Se não tivesse a participação da agência, esse processo estaria pronto para sentença. Então isso está atrasando o trâmite do processo”, disse à Folha o promotor Denilson de Souza Freitas, da Promotoria do Consumidor. “Isso ao mesmo tempo em que a agência reconhece que o serviço não é adequado. Tanto é que autuou, reconhecendo que o serviço não estava sendo prestado a contento.”
Nesta segunda-feira (14), a Aneel publicou um ofício em que se defende de cobranças feitas pelo Ministério de Minas e Energia. De acordo com o texto, já foram aplicadas pela agência multas de R$ 320 milhões à empresa. Entre elas, uma de R$ 165 milhões por falhas no atendimento a ocorrências emergenciais em novembro de 2023 –a maior já aplicada no segmento em distribuição.
O presidente da agência afirmou que fará inspeções in loco e que a Aneel determinou imediata intimação da empresa e instauração de apuração de falhas e transgressões para que, em processo administrativo específico, assegurado o contraditório e ampla defesa, a diretoria colegiada “avalie a instauração de eventual recomendação de caducidade da concessão, a ser encaminhada para apreciação do MME”.
Questionada especificamente sobre o pedido para tornar-se assistente da empresa que fiscaliza, a Aneel não respondeu até as 21h desta segunda (14). A agência afirmou que o pedido de comentário foi enviado à sua procuradoria.