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04/05/2025

Black Mirror: Já vivendo na realidade imaginada por série? – 04/05/2025 – Titi Müller

Desde que surgiu, há quase 15 anos, a série britânica “Black Mirror” sempre causou impacto propondo cenários situados de uma forma apavorante entre um futuro distópico muito maluco e uma realidade cada vez mais possível de ser experimentada.

Cada episódio de suas sete temporadas contém uma mistura bem equilibrada de descrições verossímeis da sociedade e das relações humanas atuais com pequenas abstrações tecnológicas que podem até parecer absurdas num primeiro momento, mas que, aos poucos, vão parecendo representações de um futuro nada impossível.

Diversos cenários ficcionais imaginados pelos roteiristas já se tornaram realidade: crimes cibernéticos de muitos tipos, sistemas de avaliação e recompensa na internet que geram consequências para as pessoas no mundo real, personagens de sucesso em programas de TV sendo eleitos para importantes cargos políticos, dilemas éticos envolvendo deepfakes e inteligências artificiais.

Os criadores dizem que um dos objetivos da série é alertar as pessoas sobre os perigos e as consequências imprevistas das novas tecnologias na sociedade moderna. Levando em conta os últimos acontecimentos (qualquer um deles, pensando bem), dá pra dizer que isso não está surtindo efeito.

A nova temporada estreou há cerca de duas semanas, e o primeiro episódio já começa revirando o estômago. Em “Pessoas Comuns” (“Common People”), Amanda, uma professora de colégio, desmaia no meio de uma aula e descobre um tumor cerebral inoperável.

Transtornado com a situação, seu marido, o soldador Mike, é abordado pela representante de uma start-up chamada Rivermind Technologies, que se oferece para resolver o problema, substituindo parte do cérebro de Amanda por um material sintético que será alimentado por servidores externos. A empresa pagaria pela cirurgia, e o casal precisaria desembolsar apenas uma taxa de assinatura mensal pelo serviço. Já pareceu assustadoramente familiar pra vocês? Pois fica pior.

Não quero dar spoilers aqui, mas, resumindo muito: embora a solução tecnológica pareça, inicialmente, uma bênção, e traga felicidade e esperança ao casal, aos poucos o capitalismo vai mostrando suas garras e as regras do jogo começam a mudar, de forma muito rápida e muito radical, levando todos os personagens a extremos jamais imaginados. É como diz aquela frase apavorante: existem coisas piores do que a morte.

Uma resenha do episódio no site Mashable resume o sentimento de uma forma muito precisa: “um pesadelo que parece terrivelmente possível”. É só pensar que a ideia de cobrar pelo conteúdo da televisão seria risível até 20 ou 30 anos atrás. E quem imaginaria que a indústria musical nos faria pagar diversas vezes pelo mesmo produto, comprando discos de vinil, depois CDs, mais tarde pagando por diversos serviços de streaming e agora comprando, mais uma vez, os mesmos discos de vinil –e até mesmo CDs?

De certa forma, já me sinto vivendo na realidade imaginada por esse episódio. A pessoa assina um serviço de TV a cabo, paga um extra para assistir a um serviço de streaming e, dentro desse serviço, paga uma nova taxa para ver um filme específico.

Até aí tudo bem: não digo que é a melhor coisa, mas sempre dá para viver sem acompanhar o seriado do momento. Porém, enquanto você lê esse texto, estão avançando cada vez mais na privatização da água que você consome. Quanto tempo para essa cobrança chegar ao ar que você respira? Você duvida? Eu não.

Titi Müller é apresentadora, podcaster, locutora, roteirista e turista profissional. Ex-VJ da MTV, é uma curiosa sobre cultura e comportamento humano



Fonte: Folha UOL

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