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09/05/2025

O Sul Global e a desigual divisão internacional do trabalho digital – 09/05/2025 – Políticas e Justiça

Yuri Lima

O mundo se vê às voltas com as tarifas comerciais que os Estados Unidos anunciaram no começo de abril de 2025. A medida foi justificada como resposta a uma suposta “injustiça” que o país estaria sofrendo no comércio internacional. Porém, até que ponto a potência econômica dos EUA depende da importação de bens produzidos por trabalhadores espalhados pelo mundo em empregos que poucos cidadãos estadunidenses aceitariam? O caso da economia digital é um exemplo interessante de como o tempo de trabalho e, no limite, de vida das pessoas ao redor do mundo são distribuídos entre atividades mais ou menos valiosas para a cadeia global de valor.

A dinâmica já conhecida da divisão internacional do trabalho se atualiza na economia digital: aparentemente limpa, eficiente e inteligente, ela esconde uma realidade de exploração que se conecta diretamente a antigas práticas em vigor desde períodos coloniais em prol da reprodução do sistema capitalista.

Moderadores quenianos recebem baixos salários para filtrar conteúdos violentos usados no treinamento de inteligências artificiais. Motoristas brasileiros geram dados para sistemas de navegação autônoma que um dia os substituirão. Mineiros congoleses extraem minerais essenciais para smartphones que, após descartados, vão parar em aterros de lixo eletrônico em países do Sudeste Asiático. Essa engrenagem opera fora do campo de visão dos consumidores, mas sustenta o brilho das vitrines digitais.

Apesar do potencial transformador das tecnologias, os principais benefícios econômicos da sua comercialização estão concentrados em grandes corporações que operam globalmente, acumulando lucros maiores que o PIB de alguns dos países que exploram. Enquanto isso, as pessoas que dedicam seu tempo para garantir o funcionamento da parte desagradável do trabalho digital enfrentam jornadas longas, instabilidade e ausência de direitos básicos. Isso contrasta frontalmente com os princípios expressos no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número oito, que defendem o trabalho decente para todos.

É urgente pensar em um novo modelo para a economia digital global. Isso passa por reconhecer o papel estratégico do Sul Global nas cadeias de valor contemporâneas — não como fornecedor descartável, mas como importante agente que tem o direito de participar da construção de regras e instituições que governem esse novo mundo do trabalho. A criação de agências internacionais, como a Agência Internacional de Sistemas Baseados em Dados, que regulem a economia digital precisa ganhar força com o objetivo de assegurar que o trabalho envolvido na produção, manutenção e descarte das tecnologias seja digno, seguro e justo.

O Brasil, como uma das maiores economias do Sul Global, tem muito a ganhar ao se posicionar com soberania nesse debate. Isso significa ir além de defender os direitos de seus trabalhadores e assumir um papel ativo na formulação de princípios internacionais que orientem o desenvolvimento e o uso ético das tecnologias digitais. Ao adotar uma postura propositiva, o país pode contribuir para a construção de uma governança digital mais inclusiva que reconheça as assimetrias históricas que estruturam a divisão internacional do trabalho. Mais do que reagir aos impactos da revolução digital, o Brasil tem a oportunidade de ajudar a moldar seus rumos.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Yuri Lima foi “O Mundo Dá Voltas” de BaianaSystem e Orquestra Afrosinfônica.


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Fonte: Folha UOL

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