Douglas Gavras
Mulheres com ramalhetes de flores brancas, azuis e amarelas disputavam a calçada ao lado da Praça de Maio com os trabalhadores que chegavam aos escritórios; a passagem da guarda do mausoléu de San Martin, herói da Argentina, e que costuma empolgar os turistas desta vez passou despercebida; veículos de mídia de diferentes países buscavam entender como os argentinos sentiam a morte do papa Francisco.
No primeiro evento formal da Igreja Católica no país após a morte de Jorge Bergoglio, fiéis se reuniram por volta das 8h30 na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, onde o papa argentino exerceu grande parte de sua atividade como sacerdote. Também foi nesse local que Francisco realizou sua última missa antes de se tornar papa.
“Partiu o papa dos pobres, dos marginalizados, daqueles que ninguém quer, daqueles que muitos excluem. No domingo, sua última audiência foi com o vice-presidente dos EUA e ele compartilhou sua enorme preocupação com os imigrantes” disse o arcebispo de Buenos Aires, Jorge García Cuerva.
Ao buscar dar à multidão uma definição para quem foi Bergoglio, ele preferiu a mais simples: um homem que foi coerente do primeiro ao último dia. “O pai de todos. O pai da misericórdia que nos ensinou que Deus nos ama loucamente e entrega a vida por nós.”
Em seu sermão, ele pediu que os fiéis busquem ser um pouco Francisco, tomando consciência de que a igreja deve ser um lugar para todos, “não discriminar ou deixar ninguém de fora. Todos nós temos que estar atentos aos nossos irmãos mais pobres, aos marginalizados, aos quais ninguém ama”, completou Cueva, para os presentes.
Segurando uma bandeira da Argentina que levou em uma visita ao Vaticano, a professora aposentada Silvia Casas, 76, emociona-se ao falar do legado do papa Francisco.
“É um orgulho termos tido um papa argentino e é uma pena que ele não tenha podido vir ao país. Estive na visita de João Paulo 2º a Buenos Aires, em 1987, e Francisco era um pouco como ele, chegava ao coração do povo”, diz. “Mas Francisco chegou a mais extremos, soube fazer da igreja uma instituição mais aberta e alegre sem se afastar dos dogmas.”
A catedral não foi o único ponto de despedida em Buenos Aires. Desde o começo da manhã, os portenhos elegeram um lugar simbólico na trajetória do papa: a Basílica de San José de Flores, em Buenos Aires, onde Francisco recebeu diversas homenagens.
A partir do início de seu pontificado, o bairro que fica exatamente no meio do município Buenos Aires, ainda que distante de sua parte turística, passou a ser conhecido como o “bairro do papa”.
Flores, cortado pela barulhenta avenida Rivadavia, é uma mistura das diferentes culturas e correntes migratórias que formam a identidade da cidade. Próximo de zonas que se verticalizaram nos últimos anos, ainda conserva casas e prédios baixos.
Filha de vizinhos que conviveram com a família de Francisco, a professora de ensino básico Janina Fernández, 38, diz que o papa fará falta ao sair da igreja. “Ele trouxe uma mensagem de fé e esperança, foi uma voz solitária muitas vezes ao dizer o que há de mais simples, que as pessoas precisam se amar e respeitar.”
Conforme a missa terminava, os fiéis foram se dirigindo até um retrato de Francisco ao lado do altar principal, onde pararam para fazer a oração de São Francisco de Assis. “Fazei de mim um instrumento de vossa paz”, diziam, em coro.
Nas laterais próximas à entrada do templo em que Francisco contou ter tido a revelação que o fez se tornar religioso, foram colocadas gravuras que lembravam a trajetória do papa na Argentina.
A cinco quadras dali, na porta da casa em que o jovem Bergoglio viveu com os pais e quatro irmãos, fiéis depositaram buquês e cartas em agradecimento ao religioso. Para chegar até a casa de paredes de pedra é preciso passar pela pequena praça onde Francisco jogava futebol na infância.
Para o contador Julián Xavier, 54, o papa foi um exemplo de bondade e empatia. “É o argentino mais importante da história e em sua memória devemos ser pessoas mais gentis”, diz.